top of page

A JORNADA DO HERÓI

O crescimento pessoal é algo importante e desejável na nossa caminhada pela vida. É comum escutarmos nos meios do chamado desenvolvimento pessoal – “seja o herói da sua vida”. Mas será este um mero claim que se tornou moda, ou existe uma base para que, tantas vezes, escutemos este convite?

Como pôde ler em artigos anteriores, onde lhe apresentei a Hierarquia das Necessidades de Abraham Maslow, a Teoria dos Níveis de Existência de Clare Graves e a Teoria Integral de Ken Wilber, nos seres humanos existe um impulso contínuo para a evolução.

De acordo com a Teoria Integral, um holon transporta em si o anseio por transcender-se. Neste caso, os seres humanos são possuidores do ímpeto de transcender o seu estado actual, para chegar a um novo estágio de crescimento e consciência. Neste processo de transcendência, um holon adquire novas características e desenvolve novos recursos, que antes não estavam disponíveis.


Acredito que este processo de auto-superação não é novo para nenhum de nós. A mudança interior e, por consequência, a exterior, é algo pelo qual todos nós já passámos, em algum momento ou em vários momentos, nas nossas vidas.

Certamente que já vivenciou momentos em que sentiu um apelo para mais, para algo novo, para algo nunca antes vivido ou feito, um apelo para ser diferente, fazer diferente, viver e experimentar-se de forma diferente. Desafiando o que é importante para si, aquilo em que acredita e as escolhas que tem feito. Na presença de algo latente dentro de si e que procura ser expressado.


Este ímpeto para expressar o novo encontra ressonância nas histórias da história da humanidade. A humanidade ao longo de muitos séculos, partilhou a sua sabedoria e experiência, através de histórias e mitos. Mitos e metáforas têm o poder de falar ao inconsciente dos indivíduos, sendo orientadores e potenciadores de mudança.

Joseph Campbell, foi um professor de literatura, especialista em mitologia no Sarah Lawrence College, que no seu livro O Poder do Mito, destacou a importância deste, não apenas nas histórias, mas nas nossas vidas. Sendo os mitos, a simbologia com o poder de inspirar os seres humanos no seu crescimento e florescimento em todo o seu potencial.

Campbell dedicou 5, intensos, anos da sua vida a ler, a investigar e a consultar livros. Durante 9 horas de estudo diário, Campbell foi capaz de reunir e resumir vários volumes de histórias heróicas, sistematizando a estrutura comum a todas elas. A sua maior contribuição para a evolução dos indivíduos é A Jornada do Herói, descrita no seu livro O Herói das Mil Faces, mas antes de nos irmos debruçar sobre a jornada, importa falarmos sobre os três caminhos de vida, que o próprio identificou, como caminhos possíveis que qualquer um de nós pode tomar – a aldeia, o deserto e a jornada.


A ALDEIA

A metáfora ou símbolo que representa a vida comum, o status quo, a sequência de actividades e acontecimentos estruturados pela nossa sociedade e cultura – nascemos, vamos para a escola, fazemos um curso superior, candidatamo-nos ao primeiro emprego, somos contratados, casamos, temos filhos, fazemos férias no verão, vamos trabalhando, eventualmente, mudando de emprego até nos reformarmos, oferecemo-nos um presente como celebração de uma longa carreira e morremos.

Campbell descreve este caminho, como a vida protegida, previsível e segura, que não perturba a norma, pois é cumprido o que se espera de nós, e sendo o caminho do ego, é para muitas pessoas, uma forma bastante satisfatória de viver a vida.

O desafio surge, quando para algumas outras pessoas esta vida de satisfatória não tem nada. Ou porque esta previsibilidade não é fonte de satisfação, sentindo um apelo por algo mais, ou porque simplesmente não se encaixam na norma. A aldeia torna-se uma prisão, potencialmente repressora e impeditiva de que estes indivíduos prosperem. Para estes, Campbell descreve que existem outros dois caminhos possíveis.


O DESERTO

A metáfora ou símbolo daqueles que se rebelam. As pessoas que não encaixam na vida da aldeia, tornam-se marginais, vivendo à margem da sociedade, não cumprindo as regras por esta impostas. Numa tentativa de prosperar através da rejeição e fuga da aldeia, pode resultar numa vida de vícios e até criminosa, manifestada muitas vezes sob a forma de uma vida de isolamento, abandono e ostracização.

Estas pessoas, apesar de rejeitarem a vida da aldeia, dependem dela para permanecer no deserto. A sua força mobilizadora é pela oposição, pelo que precisam que a aldeia continue a ser aldeia, para que elas se possam continuar a opor. Mas é também verdade, que nem todas as pessoas que não vivem satisfeitas na aldeia, vão para o deserto. Para estas, há ainda um outro caminho.


A JORNADA

Na jornada encontramos o símbolo do caminho da alma, o caminho do coração, é a resposta ao chamado à descoberta e ao encontro do próprio caminho. A jornada é a via daquele que quer mais e se torna pioneiro, que aceita o novo, com coragem abraça desafios e se abre a uma maior consciência sobre si próprio e o mundo. É o dizer sim à aventura da vida, que ao regressar à aldeia, traz consigo algo novo com que pode contribuir.

Como metáfora a jornada é o caminho do crescimento, da amplitude da consciência, da auto-descoberta, do desenvolvimento de novos recursos internos e a via de ficarmos mais próximos da nossa essência.

Apesar de se apresentar como um caminho, não significa que a jornada seja sempre algo externo, muitas vezes, este caminho de revelação e transformação ocorre dentro de cada um de nós. A viagem pode ser vivida internamente, mesmo que continuemos fisicamente dentro da aldeia.


Qualquer mudança que ocorra nas nossas vidas, assim como os nossos processos de crescimento pessoal, em muito se assemelham com o que Campbell chamou de A Jornada do Herói.

Diversos temas e histórias repetem-se em diferentes culturas, parecendo haver um elo de ligação profundo onde o imaginário de toda a humanidade se encontra, procurando narrar um caminho de crescimento entre o nascimento e a morte, constituído por padrões profundos que se mantêm na memória colectiva do indivíduos.

A Jornada do Herói é por isso, a estrutura dos padrões, dos elementos comuns do caminho de vida dos seres humanos, descrevendo uma sequência de eventos que podem ser encontrados tanto em mitos épicos, como nas histórias de todas as culturas.

Conhecer esta estrutura descoberta por Campbell, pode ser uma ajuda relevante para lidar com os desafios da vida, saber gerir processos de mudança e dar suporte a transformações internas, sobretudo das que se dão ao nível da identidade.


Então o que lhe estou a querer passar, é que o mito d’A Jornada do Herói está, totalmente, ligado ao auto-desenvolvimento e aos processos de crescimentos pessoal.

Antes de avançarmos para conhecermos os diferentes passos que compõem a jornada, creio ser importante dar-lhe algum contexto e explicar de onde Campbell bebeu inspiração.


Carl G. Jung, discípulo de Freud e criador da psicologia profunda, dedicou a sua área de estudo às teorias sobre a sombra, ao inconsciente colectivo, à sincronicidade, aos arquétipos, à simbologia do inconsciente, ao desenvolvimento do self, entre outros, sendo uma das suas maiores contribuições, a noção de que o inconsciente é uma vasta paisagem vibrante, mas distante da experiência consciente comum.

Ao contrário da mente consciente, que sendo verbal se baseia na racionalidade, na lógica e na linguagem, a mente inconsciente apresenta-se como um vasto reino do imaginário, que usa símbolos e significados, que à partida não estão imediatamente disponíveis para a mente consciente. Estes símbolos do inconsciente podem ser encontrados nos sonhos, em visualizações e nas fantasias. Para Jung, criatividade é o processo através do qual os conteúdos do inconsciente são trazidos à “luz” do consciente, sendo este feito através do recurso a símbolos, arquétipos e mitos que, de alguma forma, traduzem a verdade dos processos psicológicos profundos.

A ideia de mito, tanto para Campbell como para Jung, não se trata de crenças culturais distantes da verdade, pelo contrário, para ambos, os mitos representam os sonhos da psique colectiva, cuja descoberta do significado simbólico, nos permite reconhecer a corrente psicológica dos indivíduos, onde se inclui as suas motivações mais profundas, tensões e desejos.

Para sermos mais precisos, Campbell descreveu A Jornada do Herói como um monomito, que pode ser observado transversalmente em todas as culturas, traduzindo um relevante processo de crescimento para a humanidade.

No contacto com o trabalho de Jung e cruzando-o com as suas descobertas, Campbell pode identificar o poder que os mitos têm em influenciar e potenciar a vontade, dos indivíduos, de crescer e viver uma vida significativa. Daí A Jornada do Herói se ter tornado uma extraordinária ferramenta de transformação, inspirando o inconsciente de cada um de nós a fazer a jornada em que o herói somos nós próprios.



OS ESTÁGIOS DA JORNADA

Este monomito representa uma estrutura de história universal, onde o personagem passa por uma sequência de estágios. Nesta história o personagem principal é o herói, um arquétipo (conjunto de imagens universais combinadas com padrões específicos de comportamento), que reside na psique de cada indivíduo.



Este caminho do herói, está descrito numa sequência de 3 estágios:

ESTÁGIO 1: PARTIDA

Campbell definiu o primeiro estágio, onde se inicia a jornada, como partida ou o chamado à aventura. Nesta primeira fase o herói abandona a segurança do mundo que conhece, rumo ao desconhecido.

Na sua obra O Herói das Mil Faces, Campbell descreve-o desta forma: “Este primeiro passo da jornada mitológica – que denominamos ‘chamado à aventura’ – significa que o destino convocou o herói e transferiu o seu centro de gravidade espiritual da estrutura da sua sociedade para uma zona totalmente desconhecida.”


ESTÁGIO 2: INICIAÇÃO

Nesta segunda fase da jornada o herói irá enfrentar uma série de tormentos e provações. O desconhecido é inseguro e o herói será testado em batalhas, conflitos e nas suas habilidades.

Aqui o herói enfrenta os seus demónios e nem sempre terá sucesso, mas apesar disso deve continuar, pois encontrará aliados e mentores com ajuda sobrenatural.


ESTÁGIO 3: RETORNO

Após ter suportado e ultrapassado todas as adversidades e provações da jornada, o herói está pronto para voltar a casa. Mas este herói já não é o mesmo, os dois estágios anteriores levaram-no a uma profunda transformação interna.



OS 12 PASSOS

DA JORNADA DO HERÓI

Podemos encontrar a estrutura d’A Jornada do Herói em diversos filmes, o cinema está cheio de exemplos de histórias que são narradas percorrendo cada uma das 12 etapas da jornada. Desde o Star Wars, ao Senhor do Anéis, até ao Matrix, em todos eles encontramos a estrutura identificada por Campbell.

A jornada termina onde começou, sabendo que o herói já não é o mesmo, pois retorna ao ponto de partida após uma busca de proporções épicas. O herói percorre um ciclo de 12 passos no sentido horário, e cada uma destas 12 etapas ilustra os diferentes níveis de domínio, transformação e crescimento pessoal do herói.



1ª ETAPA: A VIDA NORMAL

É a vida normal e mundana da aldeia, onde a rotina e a previsibilidade imperam e o herói ainda vive sem saber que em breve ouvirá um chamado à aventura. Ainda antes de entrar para a experiência de um mundo especial, o herói vive no mundo comum. Por exemplo, Tolkien no filme O Hobbit, representa a vida comum ao mostrar-nos Bilbo Baggins a cuidar do jardim e a celebrar a vida com outros hobbits dentro do Condado, ainda sem saber que existe um outro mundo especial de magos, elfos e anões, à beira de uma guerra. É a vida dentro da zona de conforto, que deixa transparecer que algo de significativo está em falta, mas o herói ainda vive sem o questionar. Aqui vemos representada a vida cujos termos foram definidos por outros, que mesmo sem ser contestada, percebe-se como não sendo totalmente satisfatória, ou que falta algo.

Do ponto de vista psicológico, este é o estágio do pré-despertar, cujo potencial ainda permanece totalmente inconsciente e o próprio indivíduo vive na ignorância.


2ª ETAPA: CHAMADO À AVENTURA

O segundo passo é dado quando ocorre uma interrupção no decorrer da vida, um evento significativo que ameaça o quotidiano e o herói sente dentro do si que algo clama por mudança e transformação, e os tempos de normalidade estão prestes a ruir. O herói recebe um chamado, para que revele o seu potencial mais profundo, desperte o seu poder interior e entre num novo mundo especial.

Transpondo isto para a nossa vida pessoal, muitas vezes vemo-nos embarcar em processos internos provocados por mudanças, positivas ou negativas, ou dificuldades na vida, como a perda de um emprego, a morte de um ente querido, uma doença, uma frustração com a vida, o nascimento de um filho ou um convite para um desafio profissional, totalmente, novo. Do ponto de vista psicológico, esta etapa representa a consciência de que algo já está a mudar e é preciso olhar para dentro, e aventurar-se na alma.


3ª ETAPA: RECUSA DO CHAMADO

O chamado à aventura define o momento em que o herói percebe que um outro mundo o espera. A saída do mundo conhecido e a entrada num mundo especial, e desconhecido, pode trazer o medo da transição e relutância à mudança, o que leva a que o herói recuse o chamado.

A vida comum pode não ser completamente satisfatória, mas é conhecida e segura. A insegurança gerada pelo novo pode provocar, inicialmente, resistência e dúvida. Nesta fase o herói precisa de coragem para avançar.

Do ponto de vista psicológico, este estágio representa os medos e ansiedades que podem surgir ao depararmo-nos com um mergulho na psique, pois é muito tentador mantermo-nos no conforto da ignorância. O crescimento e uma vida profundamente gratificante, exige que enfrentemos o desconforto e o receio do sofrimento. Como escreveu Campbell “A caverna em que mais temes entrar, guarda o tesouro que procuras”.


4ª ETAPA: CONHECER O MENTOR

Nesta fase o herói mantem-se no mundo conhecido, já escutou o chamado, mas recusou-o, enfrentando uma crise de confiança e coragem para avançar para o desconhecido. Surge então a figura de um sábio mentor, que trará compreensão, orientação, inspiração e encorajamento, para que o herói avance, confie e abrace a nova aventura. A figura do mentor representa alguém que já viveu a sua própria jornada e reflecte a importância de aceitar esta missão, mostrando ao herói que o chamado é maior do que o seu medo.

Reconhecemos esta fase nas nossas vidas, através de pessoas e situações que nos guiam, nos dão pistas, nos retiram da negação e nos colocam na direcção certa. Um mentor pode ser uma amigo próximo, um familiar, um colega de trabalho, um profissional coach ou terapeuta, ou até mesmo a inspiração retirada de um filme ou de um livro. Nesta fase, este mentor surge para que o herói aceite o chamado e parta à aventura.


5ª ETAPA: ATRAVESSAR O LIMIAR

Aqui sim, a aventura começa. Este passo representa o momento crucial em que o herói aceita deixar a aldeia e a sua iniciação na jornada começa. O herói está, finalmente, comprometido com o seu caminho e busca, seja ela física, emocional ou espiritual. Atravessar o limiar é um ponto sem retorno, onde o herói já aceitou a mudança e entra no desconhecido, assumindo a responsabilidade de enfrentar o novo. Metaforicamente, é o momento em que atravessa a ponte suspensa, que rui após a sua passagem. Não há como voltar atrás, pelo menos, não pelo mesmo caminho.

Todos nós, em algum momento, já experienciámos momentos em que soubemos que nada mais seria igual a partir dali. Que agir numa nova direcção, mudaria o fluxo da nossa história e a nossa vida, nunca mais seria a mesma. Nesta fase, reconhecemos que, na verdade, já não somos os mesmos e que fazer o caminho, é a melhor opção, mesmo que nada volte a ser como era.


6ª ETAPA: TESTES, ALIADOS, DENÓNIOS E INIMIGOS

O herói já se aventurou e partiu para o desconhecido, e no seu percurso será testado. O herói irá deparar-se com obstáculos, poderá encontrar quem tente impedir a sua busca, quem tentes desmotivá-lo, retirá-lo do caminho, forçá-lo a voltar à normalidade.

Nesta fase, forças desconhecidas trabalham contra o herói, destruidores de sonhos, que nas nossas vidas podem, muitas vezes, apresentar-se sob a forma de amigos, familiares, colegas de trabalho, que poderão estar cheios de intenções positivas, mas que apesar disso, atrapalham o nosso desenvolvimento. Estas forças que nos obstaculizam, poderão ser externas, mas são também, muitas vezes internas, os nossos próprios demónios interiores, que poderão sabotar no nosso progresso.

Este é o momento em que se torna necessário que o herói saiba identificar os possíveis obstáculos e encontrar aliados, pessoas que o apoiem ao longo da sua aventura.

Assim como, ainda antes de atravessar o limiar, o herói recebeu a ajuda de um mentor, também nesta fase, será agraciado com a presença de um sábio, um conselheiro mágico, que o ajudará a lidar com os seus demónios, limitações e obstáculos, e o guiará para a próxima fase da jornada. Encontra exemplos em personagens fictícias como Obi-Wan Kenobi, no Mestre Yoda, em Gandalf ou Morpheus, que muitas vezes, usando uma linguagem secreta e envolta em mistério, aparecem para recolocar o herói no seu caminho.

Estes primeiros testes, moldam o herói na adversidade, fazendo com que este encontre um significado mais profundo na sua jornada.

Do ponto de vista psicológico, este estágio representa o teste ao impulso inicial. Ao nos depararmos com dificuldades, por exemplo, em tarefas específicas, precisamos olhar para as nossas experiências internas, sob a forma de memórias e emoções, e libertarmo-nos de velhos padrões. O teste surge para que a determinação e o compromisso com a mudança se reafirmem.


7ª ETAPA: APROXIMAÇÃO À CAVERNA MAIS INTERNA

Nesta fase da jornada, o herói já deixou há muito a aldeia, cruzando o limiar para o desconhecido e incerto, já encontrou obstáculos e enfrentou inimigos, já recebeu ajuda de mentores para ultrapassar os seus demónios e, por isso, começou a expressar novas qualidades e a empreender novas acções, e aproxima-se de um novo limiar.

Esta etapa, representa um novo desafio para o herói, onde o medo e a dúvida podem ressurgir, representando um momento, imediato, de um salto ou o espaço para fazer uma pausa e reflectir, antes de dar os próximos passos.

A caverna mais interna, representa o local onde se encontra a pedra angular do mundo especial e o herói aproxima-se do seu objectivo. Nas nossas vidas, a caverna mais interna representa o revisitar das nossas raízes emocionais, representa o complexo materno, onde uma parte regressiva procura retornar à segurança da mãe. A caverna é o símbolo de um novo trabalho interior e o encontro de um novo lugar de calma e segurança.


8ª ETAPA: A PROVAÇÃO

O momento em que surge uma nova provação, o herói torna-se consciente de que pode falhar, e se falhar, o seu novo mundo ou a sua nova vida, podem desaparecer. É um momento de vida ou morte, simbolicamente representado pelo encontro com o inimigo ou demónio supremo, e o enfrentar do medo mais profundo.

As histórias contam-nos, que nenhuma aventura que valha, verdadeiramente, a pena ser empreendida, será fácil. O caminho da descoberta, crescimento e auto-realização, está cheio de perigos, e o herói poderá ver-se de frente com a desesperança. Lidar e ultrapassar a derrota iminente, exige que o herói aceda a uma parte, até então, oculta em si e que invoque um poder interior que ainda não sabe que possui, onde a fé, a criatividade e a força lhe darão uma nova energia e impulso para reencontrar o caminho.

Toda a sua luta até este momento, todas as lições aprendidas ao longo da jornada, todos os recursos desenvolvidos, todos os potenciais manifestados, serão úteis e terão de ser usados para sobreviver à provação suprema. O herói sairá vitorioso, mas passará sempre por uma forma de morte e nunca mais será o mesmo.

Aplicando o símbolo às nossas vidas, todos nós em algum momento, poderemos ver-nos confrontados com a necessidade de lidar com traumas que precisam ser curados, teremos pessoas com quem precisamos ter conversas difíceis, ou medos que precisamos enfrentar, que após todas estas etapas nos sentimos, finalmente, prontos.


9ª ETAPA: RECOMPENSA, POSSUIR A ESPADA

Esta é a fase do triunfo após a superação da grande adversidade. O herói sobreviveu, aprendeu uma valiosa lição, foi transformado e renasceu. Tendo morto o dragão, o herói é premiado, simbolicamente, retirando a espada da rocha e alcançando o seu objectivo. Após a provação chega um tesouro, um objecto que simboliza um conhecimento secreto ou uma conquista física, psicológica, romântica ou espiritual, e o objectivo que o fez sair da aldeia ganha um novo significado, pois já não é a vitória que preenche o herói, mas a transformação pessoal por que passou.

O tesouro conquistado, pode auxiliar o retorno à aldeia, ao mundo comum, mas ainda faltam alguns passos.

Do ponto de vista psicológico, esta fase representa o encontro com a paz interior e a reconciliação com o passado. Como processo espiritual, representa a percepção de que atrás da dor e do sofrimento, está a liberdade e a plenitude do ser.


10ª ETAPA: O CAMINHO DE VOLTA

É chegada a hora do herói voltar a casa, a jornada é agora o encontro do caminho de volta e a travessia do terceiro limiar. A jornada está próxima do fim, mas ainda traz passos importantes. O herói deve retornar à aldeia levando consigo o elixir sagrado. Atravessar o último limiar acarreta a responsabilidade de analisar e lidar com qualquer questão, ainda não resolvida. Fazer um inventário moral, questionar-se, identificar possíveis fraquezas e conhecer a sua sombra. Este rol de indagações traz a resposta às debilidades que poderão, mais tarde, jogar contra si.

O herói esteve muito tempo longe do que lhe é familiar e esta etapa, convida-o a retornar à familiaridade e a tudo o que foi deixado para trás, seja família, amigos, locais ou rotinas.


11ª ETAPA: RESSURREIÇÃO

O caminho de volta já foi empreendido, mas ainda antes de voltar a casa e que a aventura termine, o herói pode ver-se diante de mais uma, imprevista e insuspeita, provação. Aqui o herói será apresentado a um último teste, para que o seu crescimento se solidifique e consolide. Chegado às últimas etapas, o herói pode tornar-se senhor dos dois mundo, com liberdade para viver e crescer, impactando toda a humanidade. Este novo herói já transcendeu a sua busca individual e pode agora tocar comunidades inteiras. A ressurreição é o momento da purificação do herói, que já possui uma nova identidade, pronta para retornar ao mundo comum.

Como pode ler num artigo anterior, n’A Hierarquia das Necessidades de Maslow, a auto-transcendência torna secundária a auto-realização, pois uma vez iniciada a transformação psicológica, o próximo passo é aplicar os próprios conhecimentos a uma causa maior, contribuindo para a vida de outras pessoas.


12ª ETAPA: RETORNO COM O ELIXIR

Superado o último teste, o herói volta, finalmente, para casa. Finda a jornada, a sua transformação pessoal está completa, quem retorna já não é o mesmo, mas alguém que se superou, que se conhece e transporta em si sabedoria e maturidade. Na posse do elixir da sabedoria, está pronto para o partilhar com aqueles que ficaram na aldeia, levando uma nova esperança, um novo senso de liberdade e novas perspectivas.

O seu novo nível de consciência faz com que veja a aldeia com novos olhos, na paz de quem sabe que, apesar de todas as agruras, a jornada do herói estava no seu destino.

A volta aos braços do mundo comum representa a reconciliação final, a aceitação da comunidade, a celebração e a redenção.

Do ponto de vista psicológico, a última etapa transposta a compreensão de que quando mudamos, a nossa realidade também muda e empreender uma jornada de transformação, mesmo que fisicamente nunca tenhamos saído da aldeia, faz com que não só nós sejamos mudados, como o lugar em que nos encontramos se renove.



O QUE PODEMOS APRENDER

COM A JORNADA DO HERÓI?

Ao conhecer todos os passos do monomito de Campbell, sabendo agora todo o simbolismo que cada etapa representa, certamente que dentro de si se inaugura a certeza de que dentro de cada um de nós existe um propósito, uma busca e uma missão para esta vida. Que em cada um de nós há um potencial a ser revelado, mesmo que o caminho não seja fácil, em cada momento e, sobretudo, no momento certo, pessoas e situações surgirão em nosso auxílio, e sairemos então transformados, voltando ao local de onde partimos renascidos e prontos a partilhar os nossos dons com o mundo.

Cada um de nós poderá estar numa fase diferente da jornada, conhecer esta estrutura com a qual os nossos inconscientes se conectam, dá-nos a possibilidade de sabermos quais são os próximos passos.

Se se encontrar dentro da caverna, saiba que deverá sair dela com uma lição, que enquanto não for aprendida, fá-lo-á viver repetidamente a mesma experiência, até que a aprenda.

Quer esteja a construir um negócio, a constituir família, a viajar por uma cultura diferente ou a criar uma obra de arte, qualquer experiência que represente uma conquista externa é e, será sempre, uma transformação e revelação internas.

Podemos entrar na jornada por muitos anos, em menos de um ano, num mês ou dentro de um mesmo dia. Ela apresenta-se muitas vezes ao longo das nossas vidas e está sempre a convidar-nos a ser mais.

Sempre que se sentir preso ou insatisfeito com a sua própria vida, ou com alguma área da sua vida, páre e identifique em que fase da jornada do herói se encontra. Pois poderá estar preso em alguma fase da jornada, ou poderá estar a perecer dentro da aldeia. Sentir-se desconfortável com a forma como está a viver, com um forte desejo de escapar dela, são geralmente indícios de que poderá ter recusado o chamado, ou o avistamento do primeiro limiar, fez com que corresse de volta para o conhecido, ou ainda, aceitou o chamado, mas não se comprometeu totalmente com ele.

Em qualquer um destes casos, desistir não é opção, pois fugir das dificuldades e desafios não lhe dará a possibilidade de crescer, desenvolver novos recursos e ser quem, realmente, nasceu para ser. Fazer a jornada é cumpri-la toda, pois o caminho do auto-preenchimento, auto-realização e a auto-transcendência são encontrados avançando para o desconhecido e enfrentando o abismo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A Jornada do Herói é a metáfora ao alcance de todos nós, mas poucas pessoas abraçam totalmente uma odisseia psicológica que leva o indivíduo à sua totalidade.

O medo do desconhecido pode atrasar o início de uma nova aventura, mas algo ficará a crescer e a fermentar dentro de nós. A tensão interna aumenta e a aproximação da explosão poderá catapultar-nos para fora do familiar. Independentemente de onde estiver, saiba que o mais importante é o que escolhe fazer hoje, agora mesmo.

Se algo dentro de si o impulsiona para aceitar a aventura da vida, use este mapa para poder navegá-la.


~ por Joana Sobreiro




177 visualizações
bottom of page