Como me tenho dedicado a explorar consigo um conjunto de convites à reflexão sobre quem é, neste artigo convido-o a conhecer ou rever os conceitos basilares da teoria de Freud.
Porque não, agregarmos mais alguns conceitos à grande “sopa” de teorias sobre aquilo que dá forma à forma como pensamos, sentimos e agimos? Se desse lado está um “buscador-encontrador” de si, acredito que terá aqui mais uma oportunidade de reflectir sobre si e os seus comportamentos.
O meu objectivo com estes artigos é, não somente, trazer-lhe conhecimento sobre autores e teorias é, antes de mais, apresentar-lhe “material” que contribua para se conhecer a si.
Provavelmente, já ouviu falar do influente e controverso fundador da Psicanálise, Sigmund Freud.
Fundador, pois deve-se a Freud toda a construção das bases da teoria psicanalítica contemporânea. Influente, pois todo o desenvolvimento das teorias da personalidade, dentro da psicologia, ocorreu pela validação ou contrariando as teorias de Freud. Daí estarmos perante um acervo de conhecimento incontornável para todos os modelos desenvolvidos até hoje. E, controverso, por explorar áreas da psique que tinham sido obscurecidas pela moralidade e filosofia victorianas, e contrariar tabus culturais, religiosos e sociais da época. Acrescido da crítica feita por Alfred Adler e Carl G. Jung, à excessiva importância dada à sexualidade.
O incontornável Freud nasceu na Áustria em 1856 e formou-se em medicina em 1881, com a especialidade de neurologia. Logo após a sua formatura, começou a atender pacientes em consultório e a sua atenção foi levada para o trabalho de Josef Breuer com a sua paciente “Anna O.”. Anna O. sofria de um conjunto de sintomas físicos sem causa física aparente, tendo os seus sintomas diminuído com a recuperação de memórias de experiências traumáticas que, aparentemente, tinham sido reprimidas e escondidas fora da consciência.
Esta experiência despertou em Freud o interesse por todo o “espaço” fora da mente consciente, fazendo-o desenvolver importantes ideias sobre a mente inconsciente.
MODELO FREUDIANO DA MENTE
Freud defendeu que não existe descontinuidade nos nossos processos mentais, sendo o pensamento, o sentimento e o comportamento possuidores de significado, estando este dependente de múltiplas causas. Qualquer fenómeno mental resulta de uma intenção consciente ou inconsciente e, ambas, são determinadas por acontecimentos prévios. Desta forma, apesar de Freud reconhecer que muitos eventos mentais são espontâneos, procurou descrever os elos ocultos que ligam um evento a outro.
A maior contribuição de Freud para a teoria da personalidade é a sua exploração sobre o inconsciente. Nos seus estudos, Freud descreve que a vida mental se divide, primeiramente, em dois níveis: o consciente e o inconsciente – estando o segundo dividido também em dois níveis: o pré-consciente e o, efectivo, inconsciente.
Estas três camadas da vida mental, não têm uma localização espacial específica mas, apesar disso, esta afirma-se como a primeira teoria dinâmica da personalidade designada por modelo topográfico, cuja estrutura se apoia em três pilares: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente.
O INCONSCIENTE
Encontramo-lo no nível mais profundo da nossa mente. Trata-se do reservatório dos processos que impulsionam o nosso comportamento, onde se incluem os instintos e os desejos primitivos.
Representa a maior “fatia” da nossa vida mental e, para Freud, a mais importante. Encontramos no inconsciente todos os impulsos e necessidades urgentes que se reúnem fora da nossa percepção consciente, mas que são a principal fonte de motivação dos nossos pensamentos e palavras, do que sentimos e o que fazemos.
Para Freud, existem elementos instintivos que compõem o inconsciente que nunca foram, bem como, nunca serão acessíveis à consciência. Significa isto, que existe matéria censurada, reprimida e excluída da consciência, mas que apesar da sua exclusão, ainda assim afecta os fenómenos conscientes, mesmo que indirectamente.
Acredito que reconheça que, embora possamos estar conscientes dos nossos comportamentos, em grande parte do tempo não estamos cientes dos processos mentais que os precedem.
O PRÉ-CONSCIENTE
Encontramo-lo num nível abaixo do consciente, algumas vezes também chamado de subconsciente (não por Freud). Trata-se do reservatório de conteúdos que não estão conscientes, mas que podem ser trazidos à consciência, mesmo que não permaneçam.
Os conteúdos pré-conscientes são informações sobre as quais não pensamos, mas que são necessárias para que o consciente opere. Ou seja, memórias passíveis de serem acedidas, como um número de telefone, uma data histórica, o pin do cartão, um aniversário da infância ou o nome de alguém.
Apesar de se chamar pré-consciente, importa referir que se trata de uma camada pertencente ao inconsciente, podendo defini-la como um espaço entre o inconsciente e o consciente, que filtra as informações que transitam de um para o outro.
Quer isto dizer que, o conteúdo pré-consciente provém de duas camadas – da percepção consciente que muda quando a pessoa altera o foco da sua atenção; e do inconsciente.
Para Freud, nesta camada pré-consciente só se torna disponível matéria do inconsciente que foi previamente aceite e filtrada por um “censor”. Este “censor-guardião” assegura que qualquer elemento que possa chegar à consciência não seja gerador de ansiedade, ou voltará a ser reprimido. Daí, haver informação que pode ser expressada simbolicamente ou através dos sonhos ou, até mesmo, nunca ser acedida.
O CONSCIENTE
Reconhecemo-lo na nossa relação com o mundo. Aqui residem os nossos pensamentos, sentimentos e acções, bem como, os alvos da nossa atenção. Trata-se de tudo aquilo de que estamos conscientes no momento presente, incluindo tudo o que sabemos num dado momento. Corresponde à menor parte da vida mental e à camada que acedemos de forma intencional. O consciente, desempenha um papel relativamente menor e com menos importância na teoria psicanalítica, por se definir pelos elementos mentais resultantes da percepção num determinado período de tempo.
Falamos da camada da mente directamente disponível e imediatamente acedível, cujo conteúdo provém de duas fontes – a primeira, a partir do sistema de percepção, dirigido ao mundo exterior e intermediário dos estímulos externos, isto é, tudo aquilo que percepcionamos através dos órgãos dos sentidos; já a segunda fonte provém dos conteúdos mentais previamente processados pela pré-consciência.
É na camada consciente que reside a nossa capacidade de perceber e controlar o seu conteúdo, pois responde de forma racional, tem em conta regras sociais e considera os fenómenos espaço-temporais. É por meio do consciente que se dá a nossa relação com o mundo exterior, teoricamente externo à nossa psique.
Posteriormente a ter postulado sobre as três camadas da mente, Freud desenvolveu um novo estudo, também ele apoiado nas suas ideias originais sobre consciência e inconsciência, onde identificou três instâncias psíquicas, cada uma delas com distintas funções que sedeariam os impulsos, a racionalidade e a moralidade, respectivamente.
AS 3 INSTÂNCIAS DA MENTE
Para Freud, a personalidade define-se por um conjunto dinâmico de elementos em constante conflito, sendo esta dominada por forças inconscientes.
Foi no ano de 1923, que Freud desenvolveu a sua teoria da personalidade, onde procurou organizar o aparelho psíquico num modelo estrutural assente em três grandes sistemas, cada um deles responsável por um aspecto da personalidade humana: o Id, o Ego e o Superego.
Embora encontremos esta divisão na estrutura da nossa psique, onde é possível reconhecer que cada um dos seus sistemas detém as suas próprias funções, propriedades, princípios e mecanismos, na verdade, não são separados. Estas três instâncias interagem tão estreitamente que se torna difícil, se não impossível, identificar apenas uma delas no nosso comportamento. Pois o comportamento é, quase sempre, um produto resultante da interacção destes três sistemas.
O Id
O Id é a fonte de energia psíquica, totalmente inconsciente, ligada aos impulsos. No núcleo da nossa personalidade encontramos o “isso”, que representa o componente da personalidade ainda não possuído. Trata-se de uma estrutura irracional, completamente fora do nosso controlo consciente, directamente ligada aos instintos, aos desejos e às vontades, como o prazer e os impulsos primitivos. Falamos de impulsos de energia sexual (a líbido), assim como as necessidades primárias de sobrevivência, como a fome, a sede e a protecção. Ligado aos processos fisiológicos e corporais, Freud chamou-o de “a verdadeira realidade psíquica”, por representar o mundo interno da experiência subjectiva, sem nenhum conhecimento da realidade objectiva.
Esta instância opera pelo princípio do prazer e na satisfação das necessidades, num espaço de tempo tão rápido e imediato quanto possível, para assegurar a redução das sensações de desconforto, pois não sabe lidar com a frustração.
É por isso, uma instância psíquica que desconhece a razão, a lógica e o juízo, desprovida de valores morais, onde não existe a noção de certo e errado, bom e mau, tempo e espaço e as consequências dos actos não são ponderadas ou relevantes.
O Id é o elemento da nossa personalidade que se desenvolveu em primeiro lugar e nos é inacto, quer isto dizer, nascemos com ele. Descrito como primitivo, caótico, imutável, amoral, ilógico e repleto de energia proveniente dos impulsos básicos. Por ser inato na estrutura da psique, representa o nosso inconsciente guiado pela líbido, sem filtros sociais. Só com o Id, os indivíduos seriam guiados, exclusivamente, pelas suas vontades e impulsos primitivos, cuja única fonte de motivação seria a satisfação dos desejos.
Sendo a componente primitiva e o sistema original da personalidade, é a partir dela que se desenvolvem as outras instâncias, por se tratar do reservatório de energia psíquica que fornece a energia necessária à operação dos outros sistemas.
O Ego
Chamado de “princípio da realidade”, o Ego é para Freud o essencial elemento mediador entre o Id e o Superego. Trata-se da principal componente das estruturas que formam a nossa psique.
Por surgir a partir do Id, o Ego comporta elementos inconscientes, embora o coloquemos na camada consciente da nossa mente. Guiada pelo princípio da realidade, esta instância psíquica regula os impulsos inadequados e dependentes da realidade subjectiva da mente, tendo a capacidade de distinguir os elementos do mundo externo. Falamos de um processo psicológico que se desenvolve e se mantém em contacto permanente com a realidade objectiva e exterior, através de mecanismos conscientes.
Durante a infância e para continuar a satisfazer as suas necessidades, a criança aprende a desenvolver uma forma de comunicação com o mundo exterior, sendo o Ego a única via para o fazer. Assim, o desenvolvimento, inevitável, do Ego é feito para que a personalidade se possa adaptar à realidade externa, permitindo que as necessidades do Id continuem a ser satisfeitas, sem que isso represente prejuízo para o indivíduo.
Não sei se estou a conseguir passar-lhe a ideia de que o nosso Ego trabalha que se farta?! (risos) Esta interface que nos liga e mantém em contacto com o mundo, precisa responder e obedecer ao princípio da realidade, sobrepondo-se ao princípio do prazer impulsionado pelo Id. Para satisfazer os desejos primários da psique, sem prejudicar a pessoa, o Ego é guiado por um processo secundário composto de operações cognitivas, como pensamento, reflexão, avaliação, ponderação, planeamento, escolha e tomada de decisão, de forma a garantir que os comportamentos do indivíduo se ajustam ao mundo exterior e, simultaneamente, satisfazem as necessidades internas.
Ao não possuir energia própria, apesar de operar na camada consciente da mente, o Ego é comandado pelo Id que lhe fornece a energia de que necessita para operar, o que o impede de se tornar uma instância independente e, por isso, mantem-se sempre ligada à matéria inconsciente.
Recorde-se que na primeira linha onde comecei a descrever o Ego, referi que este funciona como mediador entre o Id e o Superego, na procura de balancear os impulsos instintivos e as normas morais. O nosso Ego é o fiel da balança que procura dar resposta e harmonizar as exigências incompatíveis das outras duas instâncias psíquicas.
Não fosse esta, tarefa suficientemente exigente, ainda temos de considerar o terceiro “mestre” a quem o nosso Ego precisa servir – o mundo externo. Sendo o executivo da nossa personalidade, pois controla a acção, o Ego estará, constantemente, a procurar conciliar as exigência irrealistas do Id e do Superego, com as solicitações realistas do mundo exterior.
Permita-me esta nota! Da próxima vez que ouvir alguém dizer que precisamos eliminar o Ego, lembre-se do que leu e pergunte: isso seria bom para quem e para quê?
O Superego
Chegámos, finalmente, à terceira instância psíquica, sendo a terceira por se tratar do último elemento da personalidade a ser desenvolvido. Segundo Freud, o Superego começa a desenvolver-se por volta dos 5 anos, por castração, repressão, punição e recompensa.
O Superego é a força moral da personalidade, que representa o princípio idealista, em detrimento do princípio realista (ego) e em desprezo pelo princípio do prazer (id).
Desenvolvido a partir do Ego, assim como este, não tem energia própria. Sem contacto com o mundo externo, representa a instância psíquica com exigências irreais de perfeição, representando internamente as normas sociais e os comportamentos morais. Ou seja, é a porção da nossa mente onde residem a moralidade e os princípios éticos, encorajando o Ego a agir no mundo de forma moral e socialmente aceitável.
O seu exercício é ajuizar se alguma atitude do Ego é certa ou errada, boa ou má, correcta ou incorrecta, usando como orientação os padrões morais autorizados pelos agentes da sociedade. Como principal função, controla os desejos do Id, fazendo com que a energia psíquica se afaste da procura por satisfazer desejos instintivos, sexuais e agressivos.
Actuando como o árbitro moral da conduta do indivíduo, desenvolve-se em resposta às punições e recompensas feitas pelos pais, representando a censura, a culpa e o medo da punição. Com vista a obter recompensas e evitar punições, a criança aprende a comportar-se de acordo com as regras dos pais. Quando o Superego já se encontra, totalmente, formado o autocontrolo passará a substituir o controlo parental.
Desenvolve-se a partir de dois subsistemas: a consciência e o ego-ideal, sendo a consciência desenvolvida a partir das punições aos comportamentos inadequados e o ego-ideal, a resposta às recompensas recebidas ao ter sido feito o que era expectado.
Um Superego bem desenvolvido controla os impulsos sexuais e agressivos, por via da repressão. Não é o próprio que reprime, mas ordena ao Ego que o faça. Sempre que o Ego agir ou, até mesmo, pense agir de forma contrária às imposições morais, o resultado será: culpa. Podemos considerá-la uma instância reguladora, que não conhece o meio termo e não está preocupada com a felicidade do Ego, lutando incessantemente pela perfeição.
DINÂMICA RELACIONAL
DAS TRÊS INSTÂNCIAS PSÍQUICAS
Na psicanálise, os distúrbios psicológicos decorrem de conflitos e desequilíbrios entre o Id, o Ego e o Superego. O equilíbrio psíquico é possível quando estas três instâncias trabalham em conjunto e se desenvolveram de forma adequada, saudável e equilibrada.
Segundo Freud, as divisões ou proporções destas instâncias da mente não são precisas, havendo diferenças no seu desenvolvimento de indivíduo para individuo.
Repare! Um Superego que não se desenvolve e se consolida após a infância, deixará o Ego ao serviço dos impulsos. Pelo contrário, um Superego hiper desenvolvido poderá resultar numa personalidade invadida pela culpa e/ou pela inferioridade.
Num indivíduo saudável, Id e Superego estão integrados e equilibrados num Ego que age harmoniosamente no mundo, sem conflitos.
Observe as seguintes imagens ilustrativas:
Aqui, poderemos ter representado alguém que vive em busca do prazer, dominado pelos impulsos do Id, dissociado do mundo e do real, sem noção de auto-preservação.
Neste caso, poderemos estar perante alguém carregado de culpa, dominado pelo Superego, em constante sentimento de inferioridade.
Por último, a representação de alguém psicologicamente saudável, dominado pelo Ego que medeia e equilibra as restantes instâncias psíquicas.
Em suma, Id, Ego e Superego são três substantivos que descrevem processos psicológicos que obedecem a três princípios distintos: prazer, real e ideal.
Podemos atribuir ao Id a componente biológica da personalidade, ao Ego a componente psicológica e ao Superego a componente social.
Em circunstâncias normais de desenvolvimento, estes três princípios não são antagónicos, nem detentores de propósitos opostos, logo não representam fonte de conflito.
Ao trabalharem em conjunto, como uma equipa, sob a liderança executiva do Ego, estaremos perante uma personalidade saudável, que se desenvolve e opera como um todo.
~ por Joana Sobreiro
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