Todos nós, em algum momento, já fomos convidados a reflectir sobre quem somos, o que molda ou determina a nossa forma de pensar, o que nos torna únicos, o que nos diferencia de outras pessoas, ou até, qual a matriz dos nossos comportamentos.
Colocarmo-nos perante estas questões, não necessariamente, nos fará chegar a uma resposta determinista e conclusiva, mas antes, à consciência de um processo em permanente desenvolvimento, criação e crescimento ao longo da vida.
Por definição, várias correntes e estudiosos da psicologia aceitam a ideia de que a personalidade se trata de uma construção psicológica que congrega um conjunto de características de um indivíduo.
Ao procurarmos compreender as peculiaridades humanas e como estas influenciam comportamentos, precisamos identificar as características que determinam os padrões pessoais e sociais de um indivíduo e como estes se desenvolvem de forma única, original, complexa e gradual. Esta construção é singular em cada sujeito no seu processo de adaptação ao ambiente, que permite o entendimento de como este percebe, pensa, sente e age.
Quando refiro que não chegamos a uma resposta definitiva, é por estarmos perante um constructo dinâmico que reflecte a constante interacção do indivíduo com as suas circunstâncias. Quer isto dizer que não somos um ser acabado, ou como tive oportunidade de ouvir na NLP Conference de 2018: “we’re not human beings, we’re human becomings” (não refiro o autor, pois não me recordo! :) – perdoe-me o mensageiro, pois só guardei a sua mensagem).
“Quem és tu?” – é a pergunta, simultaneamente, mais simples e mais complexa que nos podem colocar. E, grande parte de nós, responderá a esta questão com o seu nome, o seu título profissional ou cargo, o seu papel na família, os seus gostos, o seu signo ou o local onde vive. Uma resposta um pouco mais profunda poderá incluir o que é importante, o que acredita e o que o move. Provavelmente, cada um de nós terá uma resposta diferente para esta mesma pergunta e, apesar de podermos ter muitos elementos comuns com outras pessoas, como religião, características físicas, país de origem ou prato favorito, o que nos torna distintos e únicos é a nossa personalidade.
Assim sendo, na sua generalidade, a personalidade é traduzida na noção de unidade integrativa do ser humano que se fundamenta num pressuposto de totalidade. Sendo produto de uma organização progressiva e não um fenómeno em si, pois evolui de acordo com a organização interna do indivíduo.
Na corrente psicanalítica, crê-se que a estrutura base da personalidade já está formada por volta dos 5 anos de idade. Já nos estudos epistemológicos de Piaget, a personalidade começa a formar-se entre os 8 e os 12 anos de idade. Um ponto de divergência encontra-se na ideia de haver ou não elementos fixos na composição da personalidade, como o temperamento e os traços de carácter.
A procura pelo entendimento da natureza humana tem milhares de anos e podemos colocá-la numa time line que nos leva desde a antiga Grécia até aos mais recentes e modernos laboratórios de investigação genética.
Neste, longo, intervalo de tempo, encontramos inúmeras teorias da personalidade, nem todas unânimes na sua sistematização, mas todas elas com um elemento em comum – encontrar a resposta para o que nos torna aquilo que somos, como nos diferenciamos dos demais e o que determina a nossa visão da vida.
A criação de uma teoria da personalidade terá em conta duas vertentes: a interna, relacionada ao pensamento e a vertente externa, relativa ao comportamento, reconhecendo uma dimensão intrapsíquica, não observável e uma dimensão externalizada, passível de serem observadas particularidades individuais por outros. A sua teorização procurará, também, identificar os elementos universais da natureza humana, ou seja, as características comuns a todos. Os elementos particulares que nos diferenciam e nos aproximam só de alguns. E os elementos singulares que nos tornam únicos e distintos de todos os outros.
MODELOS TEÓRICOS
Conforme já tive oportunidade de referir anteriormente, a história das pesquisas e teorizações sobre a personalidade é muito antiga, façamos por isso uma breve visita no tempo.
Vamos posicionar-nos na antiga Grécia, com o médico Hipócrates, onde este estudou a sistematizou um conjunto de fenómenos baseado nos elementos da natureza, que dividiu os temperamentos em quente vs frio e húmido vs seco, dando origem a 4 temperamentos que conjugados produzem as variações de quente/húmido, quente/seco, frio/húmido e frio/seco. Para saber mais sobre a teoria dos humores, pf leia o artigo anterior (link).
Posteriormente, tendo por base a teoria humoral dos 4 temperamentos, Platão desenvolveu uma outra classificação que dividia a personalidade em 4 tipos: idealista (ar), artesão (fogo), guardião (terra) e racional (água).
Chegando ao século XX, Freud, o conhecido e considerado pai da psicanálise também se debruçou sobre a personalidade, considerando que esta se desenvolve com base em três instâncias psíquicas: o id, o ego e o superego. Num outro momento, escreverei com mais pormenor sobre esta teoria de Freud.
Jung com a sua psicologia profunda, influenciado pelo trabalho de Freud, por sua vez, criou o seu próprio sistema de caracterização da personalidade. Para Jung, a personalidade é, primeiramente, dividida em dois grandes grupos que se diferenciam pela gestão da própria energia – introvertido vs extrovertido – estando o indivíduo, maioritariamente, num dos lados. Acrescido de 4 funções psicológicas essenciais: pensamento vs sentimento e sensação vs intuição. Sendo que cada uma desta funções poderá ser experienciada de forma introvertida ou extrovertida. Este trabalho, colhe seguidores e desenvolvedores até hoje, estando na origem do popular teste Myers-Briggs Type Indicator®.
O psicólogo humanista Abraham Maslow desenvolveu uma ideia originária em Freud, de que alguns dos aspectos impulsionadores da personalidade se encontram enraizados fora da consciência, ou mais propriamente, na mente inconsciente. Para Maslow haveria a hipótese de a personalidade ser impulsionada por um conjunto de necessidades presente em cada ser humano. Conhecida como a hierarquia das necessidades de Maslow, cada nível de necessidade requer ser satisfeito antes de se poder atender ao nível seguinte. Nos seus 5 níveis encontramos as necessidades fisiológicas, de segurança, de pertencimento e amor, de estima e, por último, de auto-realização, que determinariam um conjunto de motivações e comportamentos que comporiam a personalidade do indivíduo.
Um outro psicólogo americano e criador da abordagem centrada na pessoa, Carl Rogers, usando como base o trabalho de Maslow, concluiu que os comportamentos do indivíduo não resultam apenas do nível de necessidades que procura satisfazer mas, pelo contrário, são as características da personalidade que determinam a forma como as necessidades são satisfeitas. Estas suas ideias foram fundamentais, pois a partir do seu trabalho, a personalidade começou a ser vista como um conjunto de traços e características não, necessariamente, permanentes.
Antes de lhe apresentar o modelo que, é hoje, mais aceite na comunidade que estuda a personalidade, quero ainda fazer referência ao trabalho do psicólogo alemão, Hans Eysenck, que retirou o estudo da personalidade do campo exclusivo da filosofia e associou os seus traços a características do corpo físico. Eysenck postulou 3 traços de personalidade, em que diferenças encontradas no sistema límbico resultariam em variações de hormonas e actividade hormonal. Tendo por base a teoria dicotómica de Jung – introversão vs extroversão – as diferenças límbicas identificariam que indivíduos altamente estimulados, naturalmente procurariam menos estímulos (introvertidos), enquanto que indivíduos menos estimulados, procurariam maior estímulo (extrovertido). O mais relevante, é identificar que esta conexão entre corpo, mente e personalidade levou a que este campo de estudo evoluísse para a exploração de evidências mais objectivas e menos filosóficas.
Assim, as contribuições mais recentes para o estudo da personalidade têm como referência três elementos fundamentais:
posicionar os traços de personalidade dentro de um espectro em vez de variáveis dicotómicas;
contextualizar temporalmente os traços de personalidade, procurando identificar como esta muda perante o ambiente e circunstâncias em que o indivíduo se encontra;
reconhecer as bases biológicas que direccionam o comportamento.
Desta forma, podemos concluir que as teorias dos traços de personalidade há muito que procuram definir quantos traços, de facto, existem. Por exemplo, para Gordon Allport existiam 4.000 traços de personalidade, já para Raymond Cattell, a personalidade estaria alicerçada em 16 factores e, como vimos anteriormente, Hans Eysenck definiu uma teoria baseada em 3 características, conhecido como o modelo PEN da personalidade.
Para muitos pesquisadores deste ramo, a teoria de Cattell era muito complicada e a de Eysenck, excessivamente limitada. Fazendo surgir uma nova teoria, amplamente estudada, com evidências crescentes, chamada Big Five (os cinco grandes traços da personalidade), tendo sido o seu estudo iniciado por Fiske em 1949 e, posteriormente, expandida por outros pesquisadores.
BIG FIVE
Para muitos psicólogos contemporâneos, a personalidade define-se em 5 dimensões básicas e primárias: extroversão, amabilidade, abertura, consciência e neuroticismo.
Em cada um dos traços, podem ser medidas as características com alta predominância, assim como baixa, permitindo-nos melhor entender os nossos próprios mecanismos internos e de reacção ao mundo, bem como os das outras pessoas, dando-nos a possibilidade de usar a nosso favor os seus potenciais e melhorar as limitações.
Importa referir que cada um dos cinco traços primários da personalidade representam um intervalo entre dois extremos, ou seja, pegando no exemplo da extroversão, falamos de um espectro com um intervalo variável entre a extroversão extrema e a introversão extrema. O que significa que cada um de nós estará algures nesse intervalo.
EXTROVERSÃO
Traço de personalidade caracterizado por sociabilidade, excitabilidade, assertividade e expressividade emocional. Pessoas com um alto grau de extroversão, tendem a aumentar a sua energia em situações sociais e em contacto com outras pessoas. Estamos perante alguém com um profundo laço com o mundo exterior e é, habitualmente, visto como alguém cheio de energia, entusiasta e voltado para a acção.
Já um baixo grau de extroversão, que é definido pelo polo introversão, refere-se a pessoas que tendem a ser mais reservadas, para quem os ambiente sociais poderão ser mais desgastantes, pois energizam-se estando sozinhas. Os introvertidos não têm a exuberância social, parecendo calmos e ponderados e, muitas vezes, falsamente definidos como tímidos ou depressivos. Mas, estamos perante alguém que precisa de menos estímulos sociais e de mais tempos solitários, pois poderá ser igualmente activo e enérgico, mas não socialmente.
AMABILIDADE
Traço de personalidade caracterizado pela confiança, bondade, generosidade, prestabilidade, afecto, altruísmo e atenção aos outros. Pessoas com alto grau de amabilidade, tendem a ser, amigáveis, compassivas e cooperantes. É um traço que identifica pessoas cuja preocupação está na harmonia social.
Já um baixo nível de amabilidade, tende a representar pessoas mais competitivas, manipuladoras e antagonistas face a outros. A pessoa não-amável coloca os seus interesses acima dos interesses dos outros, demonstra cepticismo o que a torna desconfiada e pouco cooperante.
ABERTURA
Traço de personalidade caracterizado pela aventura, abstracção, imaginação, criatividade e insight. Pessoas com alto grau de abertura tendem a ter uma ampla gama de interesses, são curiosas, gostam de aprender e experimentar coisas novas. Este traço distingue pessoas que pensam “fora-da-caixa” das “terra-a-terra” e convencionais.
Já um baixo grau de abertura, coloca-nos perante alguém mais tradicional e literal, que dá preferência ao claro, simples e óbvio, em detrimento da compreensão das entrelinhas, do ambíguo, subtil e do pensamento abstracto.
CONSCIÊNCIA
Traço de personalidade caracterizado pelo controlo dos impulsos, com comportamento orientado para objectivos e planos feitos com antecedência. Pessoas com alto grau de consciência, tendem a ser organizadas e atentas aos pormenores, mensurando sempre o impacto das suas escolhas e acções nos outros. Reconhecemo-lo em pessoas que mostram autodisciplina, orientadas para os seus deveres e que dão preferência a acções planeadas em detrimento de comportamentos espontâneos.
Já um baixo grau de consciência, traduz-se numa personalidade desorganizada e menos estruturada, podendo manifestar-se em procrastinação e adiamento de tarefas e compromissos.
NEUROTICISMO
Traço de personalidade caracterizado por tristeza, mau humor e instabilidade emocional, com tendência a experienciar emoções negativas e a ser emocionalmente reactivo e vulnerável ao stress e ansiedade. Pessoas com alto grau de neuroticismo, tendem a ter maior predisposição para ver ameaças, não ter esperança e cair em frustrações. Problemas de regulação emocional podem diminuir a capacidade de pensar com clareza, tomar decisões e lidar de forma apropriada com diferentes circunstâncias.
Já um baixo grau de neuroticismo, revela pessoas que mais dificilmente serão perturbadas e, por isso, menos reactivas emocionalmente. Com tendência a serem calmas, emocionalmente estáveis, equilibradas e resilientes, com mais facilidade para relaxar e livrar-se de sentimentos negativos e preocupações.
Fazendo algumas considerações finais. Aqui apresentei-lhe alguns modelos, tendo explorado, maioritariamente, um – aquele que mais adeptos tem hoje. Apesar disso, muitos outros poderiam ter sido referidos e, arrisco-me a dizer, que ainda nenhum chegou à efectiva resposta à pergunta “quem sou eu?”. Pois então, mantenhamos este legado ancestral de questionamento e aproveitemos a oportunidade para reflectirmos em nós e sobre nós.
Ao identificarmos onde nos enquadramos no intervalo de cada um dos 5 traços primários do modelo Big Five, poderemos reconhecer as nossas predisposições, positivas e negativas, e como vimos anteriormente, é consensual a ideia de que a personalidade evolui, dando-nos assim a possibilidade de melhorarmos as nossas características.
~ por Joana Sobreiro
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