Há algo em si, nos seus padrões de pensamentos e sentimentos, ou nos seus comportamentos, que já trabalhou diversas vezes para que mudassem e, mesmo assim, teimam em persistir?
Tem alguma questão sua que por mais ajuda e apoio que tenha recebido, se mantém e parece não querer desaparecer?
Conhece alguém que está sempre com o mesmo tipo de problemas, sempre a viver o mesmo tipo de dinâmicas, como se tivesse entrado num ciclo ininterrupto, do qual não se consegue livrar?
A resposta a qualquer uma destas questões poderá colocar-nos perante uma circunstância onde a perpetuação de algo que gostaríamos de mudar, não muda, por existirem ganhos secundários.
Conhece alguém que não está satisfeito com o seu trabalho, mas não muda? Ou alguém que quer viver num outro lugar, mas continua na mesma casa de sempre? Ou alguém que está insatisfeito com a sua relação, mas não se separa? Ou alguém que tem um hábito, que diz que quer parar, mas não pára? É provável que conheça várias pessoas para cada um destes exemplos e até, muito possivelmente, algum deles seja o seu.
Ao longo desta mais de uma década que acompanho processos de coaching, são vários os casos de pessoas que dizem querer mudar, mas quando lhes é perguntado o que querem em vez da sua situação actual, só sabem responder que não querem o que têm agora. Relatando que não sabem o que querem em vez disto, numa lógica de “não quero este trabalho, mas não sei o que quero em vez disto”, fazendo com que fiquem exactamente onde estão, na exacta circunstância que dizem não querer estar. Parece não fazer sentido? Pode até parecer, mas há algo que faz, certamente, sentido e precisa ser devidamente compreendido.
Estas são as circunstância que costumo designar por “insatisfações de estimação”, não gostamos delas, mas continuamos a alimentá-las e se o fazemos é porque há algo que estamos a preservar, algo que estamos a assegurar e, por essa razão, estamos a ganhar ao preservá-las e assegurá-las.
Sempre que falamos em mudança, desenvolvimento e crescimento pessoal, pode parecer que qualquer transformação esteja, facilmente, ao alcance de todos e que para que ela ocorra, basta querer. Querer é o passo fundamental, é indiscutível. Mas muitas vezes querer não é suficiente para consegui-lo. Nestes casos, podemos estar diante de uma auto-sabotagem, por haver algo que estamos a, inconscientemente, ganhar com a situação que queremos ver mudada. É para estas situações que se torna muito útil conhecermos o conceito de ganhos secundários.
A APLICAÇÃO DO CONCEITO NA PSICOLOGIA E NA MEDICINA
Sumariamente, podemos definir ganho secundário como os benefícios que a pessoa obtém por não superar um problema. É o que a mantém presa à circunstância onde se encontra, mesmo que do ponto de vista consciente só existam perdas ou, pelo menos, não existam ganhos. Se se mantém na circunstância, é porque inconscientemente há algo que está a ganhar.
Esta noção surge na psicologia e é também adoptada na medicina, como um termo psicológico referente a um factor de motivação que um paciente tem ao relatar os seus sintomas e as suas queixas de dor, apresentando-se como um benefício externo que potencia as suas queixas.
Foi Freud e a sua psicanálise, que em 1923 introduziu o conceito de ganho secundário, como as vantagens provenientes da neurose, definindo-o como a manifestação do desejo de dar continuidade a uma determinada circunstância. Na psicanálise, os ganhos secundários fazem parte da resistência à melhoria e, na medicina, são os sabotadores da cura.
Para a psicologia os ganhos são ainda divididos em três tipos. Os chamados ganhos primários, que se traduzem numa excitação emocional canalizada em sintomas físicos, como por exemplo, uma pessoa que se sente culpada por não ser capaz de realizar uma tarefa, ao ter uma condição médica ou clínica que a justifique, a sua culpa diminui. São por isso, ganhos que decorrem directa e objectivamente de um sintoma, que de facto impedem a pessoa de fazer algo.
Já os ganhos secundários, resultam dos benefícios externos que se podem obter como produto de se ter esses sintomas, como por exemplo, a pessoa passa a ter uma justificação para faltar ao trabalho, recebendo uma compensação financeira pela sua condição médica e clínica. Ou seja, trata-se da vantagem que se apresenta secundariamente a um problema declarado.
O ganho primário serve para livrar a pessoa da ansiedade e do conflito interno, e o ganho secundário resulta das vantagens que a pessoa tem quando o sintoma influencia outras pessoas e situações externas, onde esta é recompensada e por isso, tende a querer preservar este ganho.
Há ainda um outro conceito, pouco estudado, designado por ganho terciário que prevê que uma terceira pessoa possa colher benefícios e vantagens da condição de outra. Referindo-se aos contextos em que várias pessoas estão a ter ganhos, como por exemplo, um filho que tem benefícios para si, decorrentes do facto de ter um pai doente.
Há várias e distintas razões que impulsionam os ganhos secundários, desde os ganhos emocionais, como ser alvo de maior atenção por parte de outros, receber demonstrações de afecto, cuidado, condescendência e protecção, os ganhos sociais, como ser dispensado de certas obrigações, de comparecer a um evento, ir trabalhar ou fazer a manutenção da própria casa, até ganhos materiais, como melhores condições de trabalho, ajudas governamentais ou benefícios económicos.
Estamos perante um mecanismo que pode e, na maior parte das vezes, está encoberto, de tal forma que tanto o profissional que acompanha esta pessoa, como a própria, poderão ter dificuldades em detectá-los. Sobretudo, porque é comum que estas pessoas se queixem da sua condição, o que acaba por camuflar qualquer benefício que possa estar a vivenciar mais profundamente.
Os sintomas que mais comummente geram ganhos secundários são os que apresentam menor grau de sofrimento, pois é necessário que o prazer de ter o sintoma seja maior que a dor gerada pelo sintoma.
UM MECANISMO AUTO-SABOTADOR
Esta estrutura que faz uso da doença ou do sofrimento para obter vantagens pessoais, não surge apenas nas questões médicas e clínicas. Como pude referir anteriormente, estamos a falar de um mecanismo auto-sabotador, que pode espalhar-se nas mais diversas áreas da vida e associado a todo o tipo de problemas e dificuldades.
Quando a pessoa recebe um reforço positivo ao manifestar um problema, ela aprende que ter mais desse problema é benéfico para si, podendo levá-la a esconder-se por trás do sintoma e à manutenção do papel do oprimido, deixando-a do lado do efeito. Este último é um termo que utilizamos na PNL e para que possa saber do que se trata, sugiro que leia o artigo Causa-Efeito – link.
Para que fique mais claro do que estamos a falar, apresento-lhe alguns exemplos:
Alguém que vive com uma dor crónica, não gosta de conviver com os amigos do namorado. Sempre que manifesta estar com muita dor, o namorado não insiste para sair com ele e estar com os seus amigos. Ao perceber que ao ter dor, não recebe pressão, a dor é reforçada;
Alguém que se sente muito angustiado, recebe atenção, carinho e encorajamento das pessoas à sua volta. Terá a sua angústia reforçada, o que aumenta a probabilidade de que esta se perpetue;
Alguém que está deprimido e tem dificuldade numa qualquer tarefa. Por exemplo, aprender costura, cuja dificuldade nada tem que ver com a depressão. Sempre que alguém a desafia para ir fazer umas aulas de costura, ao mencionar-se a depressão como razão da dificuldade, o outro recua. A atribuição de problemas à depressão, reforça-a;
Um cônjuge não se separa por o outro andar com um qualquer problema de saúde. Se a segunda pessoa não quer ser deixada, é possível que o problema se multiplique como forma de garantir a continuidade do casamento;
Alguém tem medo do contacto com outras pessoas e não quer que outros se aproximem, poderá desenvolver comportamentos disfuncionais e perturbadores para manter os outros afastados. Se tiver sucesso, os comportamento disfuncionais são reforçados;
Alguém com medo da intimidade, poderá escolher parceiros inadequados. Assim nunca se vê exposta;
Alguém que sente ansiedade e com isso obtém mais compreensão e condescendência de outras pessoas, terá a sua ansiedade reforçada;
Alguém que chegou ao ponto de criar a sua identidade em torno da ansiedade e com isso recebe mais aceitação dos seus pares, uma vez mais, tenderá a perpetuar a sua ansiedade, sobretudo, quando já se tornou parte da sua identidade;
Alguém muito sobrecarregado de trabalho, sofre um acidente. Logo que esteja recuperado terá de voltar para a pressão do trabalho, para um chefe super exigente, para colegas ultra competitivos e clientes insatisfeitos. O benefício de não voltar, poderá atrasar a sua recuperação;
Alguém vive com um imenso medo de ter sucesso e da exposição que o sucesso lhe trará, poderá fazer com que se aplique menos, cometa mais erros, procrastine ou não faça mudanças necessárias, pois assim qualquer ansiedade que possa surgir com a ideia de sucesso, não se manifestará. Ficar exactamente no mesmo lugar, é reforçado;
Alguém que aprendeu que fazer drama faz com que os outros acedam às suas vontades, continuará a fazer drama;
Alguém que vive uma situação má, mas tem medo da mudança, manter-se-á nessa mesma situação.
Acredito que com todos estes exemplos, já tem uma noção mais clara do que se tratam os ganhos secundários. Pois estes operam como uma força invisível que nos mantém presos a padrões, potencialmente, nocivos e prejudiciais, mas dos quais retiramos vantagens.
O fenómeno que aqui presenciamos, é que o nosso inconsciente aprendeu a obter benefícios dos nossos problemas ou das nossas circunstâncias insatisfatórias, ao ponto de nos deixarmos definir por essas limitações e estas se tornarem um lugar muito confortável. Este conforto poderá surgir pela ausência de sentimentos que queremos evitar, ou pelo recebimento de condições externas que nos trazem conforto, como o exemplo de “tenho este problema e recebo mais atenção por ter este problema”, o meu inconsciente aprendeu que “este problema” igual a mais “atenção”.
Isto é muito relevante, pois poderemos até reclamar e não gostarmos das nossas circunstâncias, mas se elas se perpetuam, independentemente, de até já podermos ter empreendido esforços para que elas mudassem, a sua manutenção decorre do que estamos a ganhar e se o que é ganho aqui, não for ganho com a mudança, então não mudamos. O ganho secundário é a força oculta que nos sabota e nos torna resistentes à mudança e ao crescimento.
MUDAR
Há quem ache que mudar é fácil? Haver, há... mas não é verdade para todos. Para muitos de nós a mudança é evitada por ser difícil.
Se está a querer fazer uma mudança na sua vida, mas sente-se estagnado, considere os ganhos secundários que poderão estar a impedir o seu caminho.
Tenha presente que estes ganhos podem ser qualquer benefício que esteja a colher das suas condições actuais. Suponhamos que quer ter um estilo de vida mais saudável e para isso quer ter uma rotina de exercício físico. Um primeiro ganho óbvio de não adoptar essa nova rotina, poderá ser o conforto imediato de não se cansar, mas poderá ser algo bem mais profundo, como uma noção de identidade, vendo-se como alguém que não se exercita. Considere este exemplo, imagine que acredita ser uma pessoa preguiçosa, se começar fazer exercício físico de forma consistente, esta nova rotina poderá pôr em causa a estabilidade do seu senso de quem é. Isto parece não fazer sentido, mas saiba que se a estabilidade e a perenidade de quem é for mais importante do que um estilo de vida mais saudável, ninguém vai arrancá-lo do sofá.
É importante ter esta clareza, pois os ganhos secundários, na sua maioria, não são óbvios e são um dos principais factores que impedem muitas pessoas de atingir os seus objetivos e dar continuidade aos seus processos de mudança.
Convido-o a fazer esta reflexão:
Se amanhã pela manhã, ao acordar, a mudança que deseja já tivesse acontecido, o que teria perdido? Tenha em consideração que se mudou, então há coisas que já não estão lá, que tanto poderão ser positivas quanto negativas. Então questione-se: o que teria perdido?
Se tomasse uma pílula mágica que o levaria a agir, a pensar ou a sentir de forma alinhada com a mudança que deseja, fazendo com que não pudesse, nunca mais, voltar aos velhos hábitos, o que teria sido deixado para trás? Tenha em conta pensamentos, sentimentos, comportamentos, relações e experiências.
Pense naquilo que quer ver mudar na sua vida. Se amanhã ao acordar tudo estiver igual a hoje e nada tiver mudado, o que teria conseguido conservar? Que benefícios tem ao manter tudo igual? Considere tudo aquilo que continuaria a experimentar.
A superação dos seus ganhos secundários está, em parte, dependente da consciência que tem sobre estes seus mecanismos internos.
Ter os seus ganhos secundários identificados e reconhecer que os tem, não é nada com que se deva envergonhar. Tratam-se de armadilhas resultantes dos nossos mecanismos perceptivos e comportamentais, não de um traço negativo de personalidade. Mais importante, podem ser reenquadrados! Ao estarmos cientes dos ganhos secundários que nos estão a impedir de avançar, conseguimos assegurar a ecologia da mudança que desejamos.
O mais relevante é saber que se há algo nesta situação que é para si importante, após qualquer mudança que ocorra, estes mesmos ganhos ou outros ainda melhores deverão estar assegurados nas suas novas circunstâncias. Se assim não for, provavelmente ou nunca concluirá a mudança, ou mesmo que a faça, voltará aos velhos padrões.
Se à medida que foi lendo este artigo foi aproveitando para reflectir sobre si, é provável que tenha chegado sempre a respostas que apresentam coisas que são para si importantes. Na PNL os ganhos secundários são expressados na linguagem através de nominalismos ou substantivos abstractos, tais como segurança, calma, cuidado, atenção, valorização, protecção, harmonia, estabilidade, etc., exactamente os mesmos elementos linguísticos com que expressamos os nossos valores e as nossas intenções positivas. Estas últimas, são muitas vezes apresentadas como sinónimos de ganhos secundários, mas apesar de apresentarem inúmeras semelhanças, os mecanismos não são exactamente os mesmos e por essa razão, irei explorar mais este tema e darei continuidade no próximo artigo.
~ Joana Sobreiro
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