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VALORES

Há alguns anos, no final do livro de Jonathan Safran Foer, pude ler uma história, que ele conta, da sua avó. Recordo-me dela muitas vezes e conto-a sempre que trabalho valores no curso de PNL. A sua avó, de origem judia, durante o holocausto conseguiu fugir. O neto Jonathan relata que a avó lhe contou que a fuga foi muito difícil, andou a monte durante muito tempo, passou muita fome e que jamais iria contar o que teve de comer para sobreviver. Um dia, no seu caminho de fuga foi ajudada por umas pessoas que lhe serviram um prato de comida – um bife de porco e batatas cozidas. Como deve saber, os Judeus não comem carne de porco. Assim, conta a avó que comeu as batatas e deixou o bife. O neto, que já vive nos EUA e num outro momento do mundo, com toda a família reunida, graças ao sucesso da fuga da avó para um outro continente, questiona-a: “Como assim não comeste o bife? Era uma questão de sobrevivência. Porque não comeste o bife para te salvares de morrer à fome?”. Ao que a avó responde: “Quando já nada mais importa, já não há o que salvar...”

Independentemente, do sistema de crenças religiosas ou não religiosas que professe, o que lhe apresento aqui é a importância que os valores têm para nós. Ou de outra forma, os nossos valores são as nossas importâncias mais substanciais e a sua violação ou total negligência, fere o nosso senso individual de identidade. Daí podermos afirmar, que os nossos valores mais profundos, são vitais para a integridade psicológica do nosso ser, e ao abrirmos mão deles, podemos criar a percepção interna de que “já não há o que salvar” pois já não existe “eu”.


Este é então, o quarto artigo deste ciclo onde lhe tenho falado sobre a nossa motivação. Depois de termos passado por diferentes teorias, precisamos olhar e conhecer, mais especificamente, o combustível, o que dá substância à estrutura que impulsiona o nosso comportamento. Assim, neste artigo, dedicar-nos-emos a explorar o tema valores.


Quais são os seus valores? Pare um pouco e reflicta. O que é, realmente, importante para mim? O que realmente me move? O que dá significado à minha existência? O que define quem, verdadeiramente, sou?

Antes de nos aprofundarmos no tema, dou-lhe uma visão geral.

Os seus valores são as coisas que acredita serem importantes e que considera serem fundamentais na sua existência, na forma como vive, trabalha, se relaciona, faz escolhas e age.

São os seus valores que determinam as suas prioridades e definem os critérios com que avalia a sua vida. Quando aquilo que faz e a maneira como se comporta vão ao encontro dos seus valores, dentro de si emerge um espaço de satisfação, contentamento e senso de congruência. Pelo contrário, quando as suas acções contrariam o que é para si importante, tudo lhe parece errado, gera-se a incongruência, podendo abrir-se uma fonte de, profundo, esforço e infelicidade. É por estas e outras razões, que identificar e conhecer os seus valores é tão importante.



VALORES – O QUE SÃO?

Comecemos então por definir o que é um valor. Um valor é um nominalismo, significa isto que se trata de um substantivo imaterial, intangível, naturalmente abstracto, cujo significado é subjectivo e relativo ao indivíduo que o “possui” e lhe atribui importância.

A experiência subjectiva definida por palavras como liberdade, realização, integridade, sucesso, equilíbrio, bondade, rigor, respeito, poder, etc., muda ao longo de toda a vida, mas é, igualmente, verdade que os primeiros anos de vida são essenciais para a formação dos nossos valores centrais, aqueles que mais definem a nossa identidade.

Na infância adoptamos os valores que nos são passados pelos nossos pais e cuidadores, e por pessoas à nossa volta, tais como professores, educadores e figuras de autoridade. A apropriação que fazemos destes valores pode ser feita por adopção directa ou por oposição à nossa vivência, por exemplo, um ambiente negligente, de abandono e indiferença, pode resultar na valorização do cuidado, respeito e reconhecimento.

Os nossos valores surgem assim, da aprendizagem, carência ou auto-descoberta, vividas ao longo das nossas experiências e nos principais contextos de vida. Formam-se por réplica ou oposição ao que nos é dado experimentar na família, grupos sociais como amigos, grupos religiosos, cultura, ambiente escolar, características geográficas, condições socioeconómicas e os meios de comunicação social.

Apesar de o cerne do nosso sistema de valores ser formado na infância, também a maturidade e o crescimento pessoal contribuem para a sua construção e actualização.

São por isso, definidos como o impulso que nos faz aproximar ou afastar de algo, determinando o grau de dor e prazer que procuramos atrair ou repelir.

Antes de agirmos, são os nossos valores que nos motivam e orientam, influenciam as nossas aspirações, são os nossos porquês, são os critérios que usamos para fazer escolhas e tomar decisões. Já depois da acção, avaliamos resultados e emitimos juízos com base nesses mesmos critérios éticos.

Além disto, sustentam a nossa identidade, asseguram a ecologia da psique, definem congruência e dão significado às nossas vidas.



VALORES CENTRAIS

Os core values, sendo basilares e fundamentais, determinam o nosso mais alto grau de prioridade na vida. Como uma bússola interna de princípios orientadores para fazer escolhas, tomar decisões, emitir juízos de valor e julgamentos, impelir motivações, fazer avaliações e ponderações, e produzir comportamentos.

Ter clareza sobre os seus valores pessoais centrais, poderá contribuir para tornar congruente quem é e o que faz. Ao ser confrontado com um momento de decisão, são os valores essenciais que garantem que aja de acordo com o que, realmente, lhe importa.

Os nossos valores centrais, são muitas vezes perceptíveis através de questões de carácter, moralidade e conduta, encontrando-se entrelaçados com a nossa personalidade, cuja satisfação reforça a congruência do eu e nos alinha com o senso de quem, realmente, somos.


Acredito que estará de acordo que, com muita facilidade podemos passar pela vida sem prestar muita atenção, quer isto dizer, distraídos, passando de um acontecimento para outro, sem nunca questionar se as nossas acções reflectem os nossos valores fundamentais. Passar pela vida sem seguir o que é para nós importante, poderá fazer-nos perder de nós mesmos e da nossa capacidade de gerar satisfação, realização e felicidade. Ao vivermos, congruentemente, com os nossos valores pessoais centrais, as nossas vidas passam a ser sentidas como mais gratificantes e significativas.

Se vive um momento de decisão e se sente com pouca clareza do que é melhor para si, conhecer os seus valores centrais pode ajudá-lo:

  • A sentir mais confiança na sua escolha;

  • A mais facilmente seguir a sua intuição;

  • A sentir mais segurança e convicção no caminho a seguir;

  • A estabelecer critérios de avaliação;

  • A definir a sua noção de sucesso;

  • A ter clareza sobre os seus objectivos.


A clareza sobre os nossos princípios éticos é relevante, pois ajuda-nos a desenvolver um senso individual de moralidade e congruência, que asseguram que as nossas acções sejam consistentes e coerentes com aquilo que acreditamos e que é para nós importante. Essencialmente, valores são os padrões, o código sob o qual cada um de nós vive.

Conhecermos os nossos valores e sabermos como cada um deles é preenchido e satisfeito, promove bem-estar, maior auto-estima e confiança, bem como uma noção de integralidade, completude e realização.


Saiba que existe um sistema de valores dentro de si, quer o reconheça, quer esteja totalmente inconsciente dele. A importância de conhecer os seus valores, é que a sua vida pode ser bem mais fácil, sobretudo, quando faz planos e toma decisões, que os honrem e satisfaçam.

Considere estes exemplos: imagine alguém que valoriza a família, mas trabalha 80 horas por semana. Provavelmente esta pessoa vive um grande conflito interno e sentir-se-á sob um enorme stress. Ou alguém, que acredita e defende a colaboração e o espírito cooperante de uma equipa, que trabalha sozinho num ambiente altamente competitivo, onde a competição é promovida e valorizada. Acredita que esta pessoa estará a sentir-se congruente? Ou ainda alguém, para quem a autonomia é fundamental e se vê a trabalhar ou a lidar com pessoas altamente dependentes. Em qualquer destes exemplos, em algum momento, algo se vai “partir”.


Acredito que com todo este enquadramento, consegui expressar o quão importante é conhecermos os nossos valores. Convido-o agora, a explorar os seus.



IDENTIFICAR VALORES

Neste artigo vou colocar algumas sugestões e formas de poder reflectir sobre os seus valores, sozinho. Este é um tema muito profundo, que pode ser abordado de muitas formas e com que trabalhamos na PNL na estrutura inconsciente. De qualquer forma, reserve um tempo para reflectir sobre os seus valores. Acredito que já será de grande relevância e sem esta consciência, também pouco poderá ser trabalhado de forma mais profunda.


Uma boa forma de investigar os seus valores, é revisitando experiências vividas e identificando o que estava presente e lhe trouxe um sentimento de preenchimento e satisfação.


FASE 1 – EXPERIÊNCIAS DE REFERÊNCIA

Considere experiências e momentos específicos tanto da sua vida profissional, como da sua vida pessoal.


Lembre-se dos momentos em que foi mais feliz! Revisite cada um deles e responda:

  • O que estava a acontecer e o que estava a fazer?

  • Estavam presentes outras pessoas? Quem?

  • O que contribuiu para se sentir feliz?

  • Que valores estavam a ser preenchidos e satisfeitos?


Lembre-se de momentos em que sentiu orgulho! Revisite cada um deles e responda:

  • O que estava a acontecer e o que o fez sentir-se orgulhoso?

  • Este orgulho foi de alguma conquista sua ou de outra pessoa?

  • Mais alguém partilhou o seu orgulho? Quem?

  • Porque foi este momento importante?

  • Que valores estavam a ser preenchidos e satisfeitos?


Lembre-se de momentos em que se sentiu realizado! Revisite cada um deles e responda:

  • Onde estava, com quem estava, o que estava a fazer?

  • Que necessidade ou desejo foi satisfeito?

  • Que valores seus estavam a ser preenchidos?


Lembre-se dos momentos em que sentiu mais paz! Revisite cada um deles e responda:

  • O que estava a acontecer e o que estava a fazer?

  • Estavam presentes outras pessoas? Quem?

  • O que contribuiu para se sentir em paz?

  • Que valores estavam a ser preenchidos e satisfeitos?


Lembre-se do momento em que esteve mais motivado! Revisite cada um deles e responda:

  • Onde estava, com quem estava, o que estava a fazer?

  • De onde vinha toda a sua energia?

  • Que valores seus estavam a impulsionar a sua acção?


Agora proponho-lhe que vá na direcção oposta, para que possa identificar experiências de referência onde teve valores suprimidos. Considere por isso, um momento em que sentiu muita raiva, ficou frustrado ou chateado. Revisite esse momento e responda:

  • O que estava a acontecer?

  • O que estava a sentir?

  • Inverta os sentimentos – Que valor ou valores seus estavam a ser suprimidos ou violados?


FASE 2 – ALARGAR REFERÊNCIAS

Após ter identificado valores importantes associados aos 5 tipos de experiências de referência, na fase 1, considere:

a) OS SEUS MODELOS

Identifique quem são os seus mentores, que pessoas tem como modelo e inspiração na sua vida. Tenha em conta características da personalidade e acções que admira. Que valores são preenchidos em si?


b) IDENTIFIQUE OS SEUS OBJECTIVOS

Depois de considerar referências sociais, reflicta sobre as suas aspirações. Liste aquilo que quer para si, tanto pessoal, como profissionalmente. Que valores seus serão satisfeitos com estas conquistas? E que valores são impulsionadores da sua acção?


FASE 3 – LISTAR VALORES

Ao chegar à fase 3, já possui uma série de matéria relevante, resultante deste conjunto de reflexões e auto-questionamento.

  1. Comece por listar todos os valores que identificou;

  2. Depois de já ter a sua lista, que mistura valores pessoais e profissionais, use uma lista genérica acessória;

  3. Da lista, escolha mais alguns valores com os quais se identifica e que ressoam em si;

  4. Junte todos os valores, os que resultaram da sua reflexão, e os que escolheu na lista genérica;

  5. Analise tudo o que listou e verifique se alguns querem dizer a mesma coisa – sistematize, se tiver palavras que para si representam a mesma experiência subjectiva, escolha ou defina aquela que maior sentido lhe faz;

  6. Crie a lista definitiva.

Lista de Valores
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FASE 4 – SIGNIFICADO

Já na posse da sua lista de valores, considere cada um deles e questione-se:

  • O que significa, exactamente, este valor para mim?

  • Como este valor é para mim satisfeito?

  • De 0 a 10, quão importante é este valor para mim?


FASE 5 – PRIORIZAR VALORES

Especificamente neste exercício, esta será, provavelmente, a fase mais desafiante. O desafio é que olhe para dentro de si e para quem é, se escute e se sinta, o mais profundamente.

Tendo em conta o grau de importância que atribuiu a cada um dos valores da sua lista, faça uma escolha, ou melhor, identifique aqueles que são, verdadeiramente, importantes e, absolutamente, fundamentais para quem é e quem quer ser no mundo.

Irá dar prioridade a 5 valores, que passarão a ser os seus core values, independentemente do contexto ou área de vida em que esteja a actuar, estes 5 são os valores fundamentais que sustentam a sua identidade. Para isso, questione-se desta forma:

  • Se eu puder, apenas, satisfazer um destes valores, qual escolho?

Repita esta pergunta, até ter obtido os 5 principais.


FASE 6 – REAFIRMAR VALORES

Após ter encontrado os seus core values, faça uma última verificação. Valide se os seus valores centrais se encaixam em si e na sua visão do mundo. Reflicta:

  • Estes valores fazem sentir-me bem comigo mesmo?

  • Estes valores estão, realmente, alinhados, com quem eu sou?

  • A clareza sobre os meus valores centrais trazem-me um senso de congruência?

  • É ecológico para mim comunicar a outros aquilo que é para mim importante e fundamental?

  • Estes valores estão em consonância com o que mais valorizo no mundo?

  • Estes valores potenciam quem eu quero ser?

  • Como satisfaço estes valores no meu dia-a-dia? Há algo que preciso mudar para que estes valores sejam satisfeitos?

  • Se houver algo a mudar. Estou disposto a fazê-lo?


FASE 7 – FEEDFORWARD

Como já tive oportunidade de frisar anteriormente neste artigo, os nossos valores pessoais são uma parte central em nós, na noção de “eu” presente e na direcção do “eu” futuro. Ao nos tornarmo mais conscientes do que é importante para cada um de nós, nas nossas vidas, podemos usar essa consciência para nos guiarmos e fazermos melhores escolhas em cada situação.

Algumas decisões, que se apresentam na nossa vida, desafiam o que é para nós importante. Sobretudo, quando temos várias opções que, à partida, parecem razoáveis e até desejáveis, nestes casos, é muito útil recordar-se dos seus valores e usá-los como orientação para a sua escolha.


 

Importa referir que neste exercício propus a sua descoberta dos seus valores centrais, ou seja, os seus meta-valores, aqueles que independentemente do contexto ou circunstância lhe dão o senso de congruência a perenidade da sua identidades. Mas, é também verdade, que alguns dos nossos valores diferem de acordo com o contexto e, é por isso, igualmente útil investigar os seus valores em contexto, entenda-se por exemplo, na carreira e profissão, na família, na relação amorosa, na participação social e comunitária, e na relação com amigos. Este desdobramento, torna ainda mais específicos os elementos que podemos ter em conta nas escolhas e decisões que tomamos, de acordo com as circunstâncias, bem como avaliar os resultados dos nossos comportamentos, no ambiente específico em que estes ocorrem.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Valores pessoais reflectem o que cada indivíduo pensa e afirma sobre si mesmo. Conhecer estes valores, significa compreender o comportamento humano.

Reforçando a noção de que os nossos valores centrais estão na raiz de quem somos, isto não significa que estes sejam totalmente fixos e imutáveis. Qualquer acontecimento de vida que provoque transformações pessoais drásticas, terá impacto nos nossos valores, podendo mudá-los ou alterando a sua ordem de importância e necessidade de satisfação.

Com isto, estou a dizer que determinadas circunstâncias podem provocar mudança nos nossos valores, ou no seu significado subjectivo, mas igualmente nós, podemos querer alterar os valores pelos quais estamos a orientar as nossas vidas.

Esta mudança pode ser feita de forma consciente? Há autores que defendem que sim, sobretudo aqueles que defendem a adopção imediata de novos comportamentos, repetindo-os, para que estes se tornem novos hábitos. Do meu ponto de vista, e usando sempre a PNL como linha de fundo para pensar sobre estes temas, nenhum comportamento é mudado substituindo-o por outro. Quero com isto dizer, que a mudança dos nossos valores é sim possível e volitiva, mas exige um mergulho na estrutura individual, profunda e inconsciente de cada pessoa. Ou seja, a mudança dá-se na estrutura que gera o comportamento e não na mera substituição deste por outro.

É por esta razão que neste artigo propus que investigue os seus valores actuais, para que esteja ciente deles e use a sua própria consciência para nortear a sua vida. Uma vida não reflectida e consciente, delega a nossa direcção nas mãos de terceiros. Ao não conhecer o seu “verdadeiro norte”, mais facilmente irá seguir o norte de outro alguém.

As nossas vidas estão cheias de tentações e distrações, bem como de momentos em que temos de fazer escolhas. Sem clareza sobre os nossos valores, estaremos a navegar à deriva, onde a qualquer momento poderemos deparar-nos com um mar escuro e tempestuoso. Ter fundamentos morais, sustentados em valores pessoais é a forma de ter sempre os pés em terra firme, sobretudo, quando precisamos tomar decisões, definir os próximos passos e saber o que precisa ser alterado, quando dentro de cada um de nós se inaugura um estado de desalinhamento.

Tempos incertos são navegáveis, quando os nossos valores centrais são conhecidos. Metas futuras são alcançáveis, quando os nossos valores centrais nos guiam.


~ por Joana Sobreiro




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