Já lhe aconteceu dizer algo da boca para fora e depois arrepender-se? Ou fazer algo num impulso ou reacção, que depois de feito, gostaria de poder voltar atrás e não o fazer ou fazê-lo de outra forma? Já viveu a experiência de se sentir invadido por uma emoção, ao ponto de perder o controlo e o discernimento?
É igualmente provável que já tenha vivido com os seus filhos ou observado os filhos de outras pessoas, a terem um ataque de histeria porque queriam o leite no copo A e este foi-lhes servido no copo B. Ou mesmo uma pessoa adulta a ficar, irracionalmente, irritada porque lhe compraram a marca de detergente errada.
Certamente que percebe que em cada um destes exemplos, houve algo que não esteve de todo ou parcialmente presente.
Já compareceu num jantar que não tinha, absolutamente, nenhuma vontade de ir, mesmo sabendo que nada de errado lhe aconteceria se não fosse? Ou numa manhã, ao pequeno-almoço, tinha disponível um delicioso bolo cheio de cobertura e escolheu deixá-lo no frigorifico, mesmo sabendo que comê-lo não traria nenhum mal ao mundo?
A verdade é que, enquanto adultos, temos liberdade para fazer o que quisermos, quando quisermos, mas apesar disso, conseguimos evitar fazer coisas que à partida temos o desejo e o impulso para fazer.
Refiro muitas vezes, a alunos e clientes que é normal, natural, inato e desejável sentirmos emoções. Qualquer uma delas, sem necessariamente lhes atribuirmos um significado de bom ou mau. Pois a experiência e vivência emocional é inerente à nossa existência, e a harmonia e equilíbrio emocionais não se conquistam pela supressão ou rejeição de emoções, mas pela sua regulação. Para que as possamos regular em primeiro lugar precisamos reconhecer o que está a passar-se em nós e depois acolher o que quer que esteja a ocorrer, sabendo e estando cientes de que não nos esgotamos em nenhuma delas.
Quantas vezes já sentiu que uma raiva ou uma tristeza se apropriaram de si? Trazendo este exemplo para mim – como se uma raiva tivesse uma Joana. Quando isto ocorre, a percepção que se inaugura em nós é a de que não temos escolha. É, exactamente, neste ponto que sabermos algo mais sobre regulação emocional, poderá ser de grande utilidade e uma boa ajuda para invertermos esta relação. Ou seja, em vez de sermos uma raiva com uma Joana, sermos uma Joana com uma raiva. Esta inversão, a que vou chamar de tamanho ou proporcionalidade, permite-nos abrir, internamente, um espaço de solução e, sobretudo, escolha.
Assim como uma bússola que nos orienta para uma determinada direcção, as nossas emoções têm o poder de nos sinalizar e guiar nas nossas acções. São indicadoras de possíveis ameaças e recompensas, são funcionais ou disfuncionais, mas não necessária nem intrinsecamente possuidoras de qualidades positivas ou negativas.
Tome como exemplo a emoção medo. Se uma criança por medo da punição ocultar algo que fez de errado e posteriormente o erro for descoberto e ela for igualmente punida, ter evitado enfrentar o medo não a fez escapar do resultado indesejado, pelo contrário vê-se sujeita a um castigo maior pelo facto de ter mentido. Já a mesma criança ao deparar-se com um animal enfurecido, o medo a fizer correr e evitar o confronto com o animal, permite-nos perceber que neste caso a emoção sinalizou e desencadeou a decisão correcta.
Estes dois exemplos cumprem a função de ilustrar a importância de sabermos avaliar e quando confiar nos nossos sinais emocionais e, sobretudo, como agir perante eles. O uso inteligente das nossas emoções dá-se pela capacidade de as sabermos usar de forma ideal e adequada ao que pretendemos obter.
E toda esta introdução foi para quê? Para que entenda a importância da vital habilidade da autorregulação!
Segundo James Gross, regulação emocional é o processo pelo qual cada indivíduo influencia o que sente, que emoções tem e quando as tem, e como experiencia e expressa os próprios sentimentos. Este psicólogo e professor da Universidade de Stanford, defende ainda que a regulação emocional pode ser automática ou controlada, consciente ou inconsciente, podendo ter efeito em um ou mais pontos do processo de produção da emoção.
Diariamente enfrentamos centenas de estímulos que provocam emoções, e estas desencadeiam um conjunto diverso de respostas adaptativas. A maneira como as emoções são sentidas e interpretadas afectam a forma como pensamos, decidimos e coordenamos as nossas acções. Por exemplo, uma pessoa com fracas estratégias de regulação emocional, poderá mais facilmente experimentar oscilações de humor, deixando as suas acções e comportamentos à mercê dos seus estados emocionais. Já uma pessoa com uma boa regulação emocional, consegue discernir sobre qual a melhor e mais adequada resposta a dar de acordo com a vontade de abraçar ou evitar uma circunstância.
Autorregulação é então, a capacidade de gerirmos os próprios comportamentos, emoções e pensamentos tendo em vista uma resposta alinhada com o que queremos alcançar, não apenas numa perspectiva de curto prazo mas, sobretudo, num senso de direcção e crescimento na vida.
Sendo um dos 5 elementos-chave da Inteligência Emocional, definida por Daniel Goleman, e o segundo passo após a Autoconsciência, falamos da capacidade que um indivíduo tem para influenciar as suas próprias emoções e impulsos, fazendo dela um elemento vital do quociente de inteligência. E facilmente entendemos porquê – consegue imaginar alguém com altos níveis de autoconsciência, forte motivação intrínseca, empatia e habilidades sociais que, inexplicavelmente, tem pouco ou nenhum controlo sobre os seus próprios impulsos?
Neste artigo irei discorrer sobre o que é a autorregulação, como se desenvolve e o importante impacto que pode ter.
O QUE É A AUTORREGULAÇÃO?
Numa definição muito breve, autorregulação é o “controlo do eu por si mesmo”. Segundo uma revisão sistemática (link) publicada em 2022 por um conjunto de investigadores, autorregulação é a capacidade de gerir e modificar pensamentos, emoções, palavras e acções.
O desenvolvimento da nossa inteligência emocional depende, de facto, da melhoria da nossa capacidade de, individualmente, ganharmos ou recuperarmos a sensação de controlo sobre os nossos comportamentos, bem como das nossas vidas.
Quando falamos em autorregulação em termos genéricos, estamos a incluir duas das suas valências:
Autorregulação comportamental – é a habilidade que nos dota da capacidade de sentir de uma forma, mas agir de outra. Permitindo-nos agir com vista ao nosso melhor interesse, a longo prazo, e de forma congruente com os nossos valores.
Exemplo: se em todas as manhãs em que teve vontade de ficar na cama a dormir e, apesar de todo o sono e preguiça, se levantou e foi para o trabalho. Provavelmente, foi porque se lembrou dos seus objectivos profissionais ou de um compromisso de agenda importante, ou ainda, poderá ter tido em conta as suas necessidades básicas de abrigo e alimento. Independentemente da fonte da motivação para sair da cama, o certo é que desta forma soube regular o seu comportamento;
Autorregulação emocional – é a capacidade de influenciar as próprias emoções com vista a que o estado emocional em que se encontra esteja alinhado e potencie a acção que quer empreender.
Exemplo: sempre que invadido pela raiva soube acalmar-se, ou ao sentir-se desanimado soube alegrar-se, ou até mesmo, num momento de grande insegurança, soube confiar e avançar, esteve na posse eficaz da sua autorregulação emocional, mostrando uma ampla e flexível gama de respostas emocionais.
Segundo a Teoria da Autorregulação aplicada por Roy Baumeister, esta refere-se a um processo que dá forma à forma como pensamos, sentimos, dizemos e fazemos, e é particularmente visível quando estamos perante um forte desejo de fazer algo e apesar disso, escolhemos não o fazer.
Segundo este psicólogo social, a autorregulação pressupõe quatro componentes:
Padrões de comportamento desejável;
Motivação para atender a esses mesmos padrões;
Monitoramento de pensamentos, emoções e circunstâncias que precedem a quebra desses padrões;
Força de vontade para controlar, gerir e/ou dirimir impulsos contrários.
Quer isto dizer que, o nosso comportamento ao ser determinado por padrões pessoais, pré-existentes, de bom comportamento (o que quer que isto signifique individualmente para cada um de nós), o cumprimento desses padrões depende do grau da nossa motivação, o compromisso com a consciência continua e permanente sobre as nossas circunstâncias e o nível de vontade com que resistimos a tentações, determinam o grau de sucesso com que nos mantemos na direcção pretendida. É da interacção entre estes quatro elementos que resulta a nossa capacidade de nos regularmos a cada e em qualquer momento.
Regular emoções engloba estados “positivos” e “negativos”, com a forma como podemos fortalecê-los, geri-los e usá-los. Para que a regulação ocorra há que ter em conta três componentes fundamentais:
Empreender acções desencadeadas por emoções;
Inibir acções desencadeadas por emoções;
Modular respostas desencadeadas por emoções.
Sendo este último, a melhor forma de utilizar os processos regulatórios.
Outro importante contribuidor para a Teoria da Autorregulação é Albert Bandura, que entre outras importantes contribuições, postulou sobre o conceito de autoeficácia, referindo que a autorregulação é um processo continuamente actico que exige o monitoramento do próprio comportamento, o que o influencia e as suas consequências, que se compare o comportamento com a espectativa resultante dos nossos próprios padrões e que se avalie o comportamento, quer isto dizer, que se identifique o que pensamos e sentimos sobre o nosso próprio comportamento. Sendo a autorregulação muito mais do que um mero autopoliciamento, pois inclui a capacidade de reformular experiências desafiantes ou decepcionantes de forma positiva e vivermos de acordo com o nosso sistema de valores centrais.
COMO SE DESENVOLVE
A AUTORREGULAÇÃO?
À semelhança de um sem número de outras habilidades, a autorregulação exige tempo e prática.
A capacidade de autorregulação de um adulto tem as suas raízes na infância. É por meio das interacções com outras crianças que na infância começamos a desenvolver conexões sociais e se inicia o caminho para o amadurecimento emocional.
O ciclo natural e a situação ideal, é uma criança que tem acessos de raiva transformar-se numa criança que aprende a lidar e a tolerar sentimentos desconfortáveis sem ter um ataque ou explosão emocional. Posteriormente, torna-se um adulto capaz de controlar os seus impulsos, gerindo e adequando os seus comportamentos, mesmo em casos de desconforto. Este ciclo de maturidade emocional reflecte a capacidade de enfrentar ameaças emocionais, sociais e cognitivas do ambiente, regulando o seu estado interno e as suas manifestações externas.
O córtex pré-frontal é a parte do cérebro que gere os comportamentos regulatórios como o controlo dos impulsos, a reactividade e a flexibilidade. Desenvolve-se maioritariamente durante a adolescência e atinge a maturidade plena por volta dos 25 anos de idade. Assim, embora as crianças comecem cedo a autorregular-se, passarão muito tempo, de forma ainda inconsciente, a procurar dominá-la.
O stress extremo e a experiência de emoções avassaladoras prejudicam e podem atrapalhar a autorregulação emocional, tornando-se especialmente difícil mantê-la, o que se traduz, muitas vezes, em adultos com dificuldades em produzir comportamentos autorregulados.
Importa também referir que há diferenças entre o que é a autorregulação e o que é o autocontrolo. Apesar de terem muito em comum, pois lidam com alguns processos semelhantes, são duas construções distintas.
De acordo com a definição de Stuart Shanker, o autocontrolo traduz-se na inibição de impulsos fortes, enquanto a autorregulação reduz a frequência e a intensidade desses mesmos impulsos, gerindo a carga de stress e a sua recuperação. Este psicólogo acrescenta ainda, que é a autorregulação que permite que exista o autocontrolo e, no limite, pode torná-lo desnecessário.
PORQUE É IMPORTANTE?
A capacidade de criar um espaço entre o que sentimos e o que fazemos, desacelera a reactividade fazendo com que esta se transforme em acções objectivas, avaliadas, ponderadas e dirigidas. A reacção impulsiva, impede-nos de prestar real atenção ao que está a acontecer dentro de nós, somos a raiva com uma Joana, o que nos desvia da nossa ética fundamental e individual.
Autorregulação emocional é uma importante parte da empatia, pois ao sermos capazes de regular o que sentimos e como reagimos, temos tempo para ouvir e levar em consideração os sentimentos de outras pessoas. É igualmente relevante termos consciência de que a regulação emocional contribui para que lidemos positivamente com situações decepcionantes e a reagirmos, racionalmente, a mudanças que estão fora do nosso controlo.
O domínio desta capacidade permite-nos fazer uma pausa entre o que sentimos e a acção que daí resulta, tendo tempo para pensar, escolher como agir, fazer um plano ou esperar pacientemente.
A incapacidade de nos autorregularmos pode resultar em mecanismos de enfrentamento e adaptação negativos, o que pode levar ao consumo indevido de substâncias e outros comportamentos nocivos.
Com tudo o que já vimos até agora, é fácil perceber que em pessoas de todas as idades, a autorregulação fornece a capacidade de se resolverem conflitos e desconfortos, com calma e de forma racional. Pois, ao não inibirmos emoções, raiva, tristeza, decepção, medo ou frustração não são excluídas nem eliminadas, em vez disso, fazemos uso de uma estrutura que nos ajuda a lidar com estas emoções.
Pessoas com uma boa capacidade de autorregulação, tendem a ser capazes de:
Agir de acordo com os seus valores;
Quando irritadas, abrir espaço para trazer calma;
Alegrarem-se nos momentos em que se sentem em baixo;
Manter uma comunicação aberta, escutar os outros e criar empatia;
Adaptar-se e manterem-se flexíveis em situações difíceis;
Ter clareza sobre as suas intenções e manterem-se motivadas;
Percepcionar os acontecimentos com maior clareza;
Dar resposta a diversas solicitações, mesmo quando sobre pressão;
Encontrar soluções e detectar oportunidades.
É a autorregulação quer nos permite agir em consonância com as nossas motivações mais profundas, dar-nos um senso de eu congruente no mundo e expressar consciência social. Dotando-nos da capacidade de persistir, ser resiliente e recuperar do fracasso.
Diversos estudos apontam que aqueles que exibem com sucesso a sua autorregulação, desfrutam de maior bem-estar emocional, apoio social percebido e afecto positivo, quer isto dizer, sentem que recebem bons sentimentos vindos das outras pessoas. Em oposição, aqueles que suprimem o que sentem, experimentam menor bem-estar, incluindo sentimentos de solidão, mais afecto negativo e pior equilíbrio psicológico geral.
FORMAS DE SE AUTORREGULAR
Antes de adoptar qualquer prática que promova a autorregulação, saiba que todos nós temos escolha e como tal, podemos escolher como agir perante qualquer situação. Embora possamos sentir que a “vida” (coloco entre aspas intencionalmente, pois recordo um pensamento de Jung – tudo o que não tornas consciente em ti, emerge na tua vida e chamas-lhe destino – adaptado por mim) nos coloca em grandes testes de flexibilidade emocional, temos algumas estratégias que podemos incluir no nosso dia a dia:
Tornar conscientes as emoções
Questionando internamente se sentimos vontade de fugir do que está a acontecer ou atacar com raiva o agente externo. Dar um nome ao que estamos a sentir.
Monitorar o corpo
Manter parte da nossa atenção e consciência no corpo é uma pratica fundamental para que, a todo o momento, saibamos identificar o que está a acontecer. O nosso corpo dá-nos pistas de como nos estamos a sentir, por exemplo, mudando a respiração, acelerando o batimento cardíaco, mudando a temperatura ou, até mesmo, aumentando a sudação.
Reconhecer que em cada situação temos, pelo menos, três opções
Atacá-la, fugir dela ou lidar com ela. Mesmo quando parece que a escolha do comportamento mais adequado está fora do nosso alcance e controlo, não está. O que estamos a sentir pode estar a direccionar-nos para uma determinada reacção, mas nenhum de nós se esgota em apenas um sentimento. Somos muito mais do que isso e é a esse espaço, mais amplo, de recursos que podemos aceder.
Chegando ao fim deste artigo, convido-o a reflectir sobre si e como tem gerido as suas emoções. Sabendo agora que a autorregulação é fundamental e necessária para que possa alcançar os seus objectivos mais importantes. Restaurar o seu equilíbrio emocional, dando-se um senso de solução, permite que se concentre no que é importante, em vez de se deixar levar por emoções transitórias.
Autorregulação é colocar o desconforto momentâneo num quadro maior.
~ por Joana Sobreiro
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