Continuando na senda de reunir algumas teorias sobre a estrutura da nossa personalidade, hoje convido-o a reflectir sobre a forma como gere a sua energia e de que forma a sua forma, dá forma à forma como se comporta no mundo.
Como já tive oportunidade de escrever em artigos anteriores, quando falamos em tipos psicológicos, referimo-nos ao conjunto de características que formam aquilo a que, comummente, apelidamos de personalidade. Entendendo a personalidade como uma dinâmica multifactorial feita de pensamentos, sentimentos e comportamentos de um indivíduo, cuja composição o torna uma pessoa única.
Aprofundando-nos na compreensão desta dinâmica individual, a perspectiva que Carl G. Jung, discípulo de Freud e criador da Psicologia Analítica, postulou sobre as bases da nossa personalidade é muito relevante, referindo que aquilo que parece um comportamento aleatório é, na verdade, resultante das diversas formas como o indivíduo manifesta preferência no uso das suas faculdades mentais.
Segundo a teoria da personalidade de Jung, esta é composta na sua base por dois tipos psicológicos (introversão e extroversão), acrescidos de quatro funções psíquicas (pensamento-sentimento e sensação-intuição). Neste artigo, deter-nos-emos na compreensão das bases tipológicas.
Questione-se:
Como me sinto mais energizado? Com outras pessoas ou sozinho?
Sinto que prospero quando estou num grande grupo ou, procuro refugiar-me e afastar-me da multidão?
A minha energia psíquica é melhor dirigida em grupo ou, penso melhor sozinho?
Ao colocar-se estas questões, se sente que floresce em situações sociais, é possível, que tenha um traço de personalidade extrovertido.
Durante largas décadas, diversos psicólogos e estudiosos da psique humana usaram este traço de personalidade para melhor distinguir as diferenças psicológicas basilares de um indivíduo.
Pessoas com altos níveis de extroversão tendem a se sentir mais confortáveis, enérgicas e energizadas em contextos sociais e, pelo contrário, pessoas com baixos níveis de extroversão, já posicionadas no espectro da introversão, tendem a sentir-se mais confortáveis, enérgicas e energizadas em pequenos grupos ou, até mesmo, sozinhas. Um exemplo disto é um evento social, neste caso, é provável que um extrovertido desfrute das interacções sociais e saia do evento revigorado, enquanto um introvertido poderá sentir a sua energia esgotar-se, sentindo após o evento necessidade de ter um tempo sozinho e só para si para compensar e recarregar-se.
Importa referir que extroversão e introversão não são duas características dicotómicas, pelo contrário, trata-se de uma escala gradativa onde cada um de nós encontrar-se-á algures num ponto da extensão do seu espectro.
Jung sugeriu que a principal distinção entre diferentes personalidades é a proveniência e direcção da expressão da energia de um indivíduo, definindo a extroversão como o movimento da líbido para fora e a introversão como o movimento da líbido para dentro. Atenção, não confundamos esta teoria de Jung com a teoria da líbido de Freud. Freud descreveu a líbido como uma fonte específica de energia psíquica dirigida para a gratificação sexual, já Jung referiu a líbido como uma energia psíquica motivacional para um sem número de comportamentos. Assim, identificar o movimento da líbido que ocorre em cada indivíduo, poderá ajudar-nos a compreender como alguém responde e interpreta estímulos externos.
Segundo Jung, os extrovertidos envolvem-se com os estímulos externos, direccionando a energia para fora e recarregando a sua energia no relacionamento com o exterior. O indivíduo extrovertido é orientado por dados objectivos, sendo os objectos externos e os factos objectivos condutores dos seus comportamentos. Por sua vez, os introvertidos concentram a sua energia para dentro, em actividades mais solitárias e pensativas, recarregando a sua energia no contacto com o seu interior. O indivíduo introvertido não é levado à acção por objectos externos e a avaliação objectiva dos factos, pois é movido por factores subjectivos.
Encontramos literatura com mais de 100 anos a falar-nos sobre os graus de extroversão nos indivíduos e de como estes impactam na sua relação com o mundo. Hans Eysenck, psicólogo alemão e estudioso da personalidade, cujos estudos desenvolvidos foram contribuição para a criação do modelo PEN, considera a extroversão uma dimensão chave na composição da personalidade humana. Noutros modelos mais conhecidos, utilizados e com maior aceitação nos dias de hoje como o Big Five ou o Myers-Briggs Type Indicator, este traço continua a ser usado como via importante na “medição” da psique do indivíduo.
O nosso grau de extroversão pode ter grande influência nas nossas dinâmicas e vivências diárias, mas importa referir que entre extroversão e introversão não existe um tipo melhor. Cada uma destas tipologias apresenta vantagens e desvantagens, características positivas e atributos negativos. O mais importante é podermos identificar onde nos encontramos dentro deste espectro para podermos desenvolver na nossa personalidade aspectos que possam estar em falta. Para além disto, como comunicadores e seres em relação com outros seres e com o mundo, compreender o quão extrovertido ou introvertido o indivíduo é, dar-nos-á a possibilidade de melhor abordar e ajustar a nossa comunicação às características individuais do nosso interlocutor.
DIFERENÇAS NO CÉREBRO
Diversos estudos têm sido empreendidos com o objectivo de melhor compreender os fenómenos cerebrais e as, possíveis, distinções biológicas e fisiológicas no que toca à introversão e extroversão. Sabendo-se hoje que existem efectivas diferenças nestes cérebros.
Identificou-se que os introvertidos apresentam um nível mais alto de fluxo sanguíneo nos lobos frontais, área do cérebro responsável pela memória, planeamento e resolução de problemas. Apresentando também, maior excitação cortical, no caso dos introvertidos, justificando a necessidade dos extrovertidos procurarem maior estimulação do exterior. Ainda no caso de indivíduos introvertidos, verificou-se um aumento da actividade neuronal nas regiões cerebrais responsáveis pela aprendizagem, controlo motor e vigilância.
Os extrovertidos por sua vez, apresentam um nível mais alto de fluxo sanguíneo nos lobos temporais, giro cingulado anterior e no tálamo posterior, áreas associadas à actividade sensorial e emoções. Outros resultados indicaram que a extroversão está associada a regiões do córtex relacionadas com a tomada de decisão e interacções sociais, à região pré-frontal nas funções executivas como memória de trabalho e cognição, acrescidas das áreas do cérebro associadas à memória semântica e linguagem.
Relativamente às funções químicas, o neurotransmissor dopamina cuja activação nos dá uma sensação de recompensa e prazer, encontra-se em maior quantidade nos extrovertidos, estando a eles associado um maior e mais frequente acesso a emoções positivas.
O ESPECTRO
INTROVERTIDO-EXTROVERTIDO
Como pude referir anteriormente, estes tipos psicológicos em oposição compõem um gradiente que nos coloca num determinado grau da sua escala. Então se introvertido e extrovertido são as extremidades de uma gradação, o que há entre os dois?
Jung reconheceu a existência de uma extensa terceira categoria, apesar de ter considerado ser difícil determinar se a energia deste terceiro tipo provém de dentro ou de fora do indivíduo, acreditando que, aparentemente, provém de ambos os lados. Estes indivíduos “caem” em algum lugar do espectro onde cabem os “normais” e mostram maior flexibilidade entre os dois polos “puros”. Assim, considera-se que entre a introversão e a extroversão se encontra a ambiversão, categoria onde se enquadra a maioria das pessoas, fazendo com que a fonte da sua energia não seja facilmente identificada, pois não manifestam um dos extremos de forma acentuada.
A tipologia ambivertida mostra características de ambos os lados, significa isto que estamos perante pessoas que se encontram em algum lugar ao centro da escala com, eventualmente, uma percentagem de introversão ou de extroversão. O ambivertido é alguém que se sente moderadamente confortável em situações sociais, mas necessitam e desfrutam igualmente de tempos solitários, tendo a flexibilidade para adaptar o seu comportamento de acordo com a circunstância em que se encontra. Para Jung, o equilíbrio entre introversão e extroversão seria a melhor via para a auto-realização.
Posto isto, podemos concluir que categorizar a tipologia psicológica em 2 eixos é, sobretudo, uma forma de facilitar a compreensão do que cada um representa quando se encontra no seu estado “puro”, mesmo reconhecendo que grande parte dos indivíduos não se encontra aí. Assumindo assim as duas metades dicotómicas, aos introvertidos atribuem-se as características de reflexivos, intimistas e pensativos, enquanto aos extrovertidos são atribuídas características como gregários, assertivos e adaptativos.
Aplicar este binómio a diferentes contextos, ajuda-nos a melhor tanger cada um dos perfis.
Comunicação: Os extrovertidos pela sua facilidade de socialização apresentam, com maior frequência, desenvoltura ao falar e expressar-se em público, possuindo vozes mais altas, ocupando mais espaço físico, gesticulando amplamente e iniciando conversações. Atribui-se ainda aos extrovertidos uma maior capacidade de calibrar a comunicação não verbal de outrem, justificada pela sua necessidade de estímulo sensorial.
Decisão: Perante a pressão do tempo para decidir, os extrovertidos decidem mais rapidamente, mas não necessariamente de forma ponderada. Já os introvertidos, evitam tomar decisões de forma impulsiva pois, ao só contarem consigo mesmos, tendem a usar a intuição e a ponderação.
Carreira: Pesquisas demonstram haver uma relação positiva entre extroversão e satisfação na carreira, estando o extrovertidos mais predispostos a encontrar soluções e remediar situações insatisfatórias.
Trabalho: Os extrovertidos são mais propensos a assumir papeis de liderança, pela sua facilidade em se apresentar e se afirmar perante o grupo.
É também interessante saber que os extrovertidos apresentam uma maior predisposição para trabalhos que exigem mais interacção com pessoas. Enquanto os introvertidos funcionam melhor em trabalhos com menos interacção social ou trabalhos independentes.
Felicidade: Acredita-se haver uma correlação entre a extroversão e os níveis de felicidade, pois os extrovertidos tendem a relatar emoções mais positivas, apresentar uma auto-estima mais elevada, enquanto os introvertidos são mais neutros.
Inteligência: Há uma associação positiva entre a introversão e os níveis de inteligência e sucesso dos indivíduos em ambiente académico. Por seu turno, a extroversão apresenta uma relação mais positiva nos níveis de inteligência emocional.
Comportamento: Estudos realizados já depois do ano 2000 demonstram que a extroversão apresenta uma maior predisposição para comportamentos anti-sociais e delinquentes.
Produtividade: No caso da extroversão, a agitação no seu ambiente energiza-o e estimula-o a ser mais produtivo, mas se estiver sozinho a sua energia esgota-se, baixando a sua produtividade. O oposto também é verdade, no caso da introversão, ambientes ruidosos e com muitas distracções criam-lhes problemas de concentração.
Conflitos: É comum encontrarmos personalidades introvertidas manifestarem menos assertividade, menos dispostas à competição e a evitar entrar em conflito, sendo o extrovertido mais propenso ao conflito, mas apresentando uma capacidade de o enfrentar e lidar com ele de forma assertiva.
A RELAÇÃO
INTROVERTIDO vs EXTROVERTIDO
Como tive oportunidade de referir num parágrafo anterior, saber identificar a nossa tipologia e a de outras pessoas, dá-nos a possibilidade de nos tornarmos melhores comunicadores. Tenha em conta que nos relacionamos com o mundo a partir do nosso “estilo”, o que faz com que tenhamos maior facilidade em lidar com pessoas do tipo semelhante ao nosso. As dificuldade de entendimento e comunicação começam quando nos deparamos com alguém de uma tipologia oposta, pois as relações entre introvertidos e extrovertidos podem estar repletas de obstáculos, sendo aqui que começa o nosso desafio de flexibilidade e de ir ao encontro do “modelo de mundo” do outro.
Esta polaridade introversão vs extroversão revela-se por estarmos perante dois conjuntos de preferências muito distintas no que toca a interagir com o mundo. Poderemos deparar-nos com um extrovertido, espontaneamente, a pegar no telefone para conversar, e do outro lado atender um introvertido que irá achar este comportamento completamente desadequado. Pois é bastante provável que o introvertido se sinta exacerbado com tanta informação que o extrovertido tem para partilhar e pareça desinteressado, quando na verdade só ficou sobrecarregado.
Imagine um casal, onde um elemento é extrovertido e o outro introvertido, a voltarem para casa no final de um dia de trabalho. Para o extrovertido pode ser perfeitamente plausível saírem ambos para jantar com um grupo de amigo e conviver. Já o elemento introvertido, provavelmente, estará desejoso de ficar sozinho e em silêncio. Parece-me óbvio como este exemplo pode ilustrar o quão problemático poderá ser um querer relaxar tranquilamente em casa e o outro querer continuar a socializar. Sem esta consciência, o introvertido irá achar o seu par altamente inconsequente, insaciável e egoísta, enquanto do outro lado estará um extrovertido a achar o seu par distante, frio e indiferente.
Independentemente do seu lugar no espectro, lembre-se que não há uma tipologia melhor. A consciência sobre as nossas características individuais dar-nos-á, simultaneamente, a capacidade para compreender a energia daqueles que são diferentes de nós.
Saber isto, poupará muitos conflitos e mal-entendidos entre introvertidos e extrovertidos, por apenas estarmos cientes de que existem outras formas que apresentam outros comportamentos. O desafio para ambos é a flexibilidade!
Flexibilidade para desenvolver a capacidade de escolher a atitude adequada a uma determinada situação. Umas vezes será a introversão a mais adequada, noutras será a extroversão a expressão que melhor se adequa. A ideia é reconhecermos que viver é dinâmico e a melhor forma de lidar com os diferentes momentos da vida é desenvolvendo uma natureza dinâmica. Em alguns momentos ser lógico e racional é mais importante do que ser movido pelos sentimentos e emoções, noutros momentos a rapidez e espontaneidade é muito mais adequada do que a reflexão e ponderação.
A nossa personalidade pode ser trabalhada, moldada e desenvolvida. Então não se deixe aprisionar pela sua tipologia predominante, ela não representa quem é, mas como está.
~ por Joana Sobreiro
Comments