Jaggi Vasudev, um yogi místico e escritor indiano, commumente apresentado como Sadhguru, um dia fez esta explicação: “Aponta para onde eu estou... Não, não estou lá. Entendeste mal. A luz cai sobre mim, reflecte-se, passa pelas tuas lentes, torna-se uma imagem invertida na tua retina... Onde me vês agora? Em ti. Onde me ouves agora? Em ti. Onde viste o mundo inteiro? Em ti. Já experimentaste algo fora de ti mesmo? Tudo o que acontece contigo, luz e escuridão, acontece em ti, dor e prazer acontecem em ti, alegria e tristeza acontecem em ti. Já experimentaste algo fora de ti mesmo? Não. Pergunta-te a ti mesmo: o que está acontecer em mim e quem deve decidir o que fazer? Toda a tua experiência de vida é determinada por ti, por mais ninguém, mas por ti.”
Inicio este tema com a descrição de um discurso que poderá ser muito perturbador para alguns e muito revelador para outros, e um convite. Se está a ler este artigo sem ter lido o anterior, sugiro que o faça. Comece por ler o que escrevi sobre o Modelo de Comunicação da PNL e depois volte. Certamente que depois dessa leitura, esta far-lhe-á muito mais sentido.
Vamos então aprofundar-nos na estrutura da percepção, começando por defini-la.
Para as ciências da cognição, percepção é a função cerebral de atribuir significado aos estímulos sensoriais captados. Esta atribuição de significado recorre ao nosso histórico de vivências passadas, que influenciarão a forma como cada indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais.
Os estudos sobre percepção podem ser grosso modo separados em dois: do ponto de vista, estritamente, biológico e fisiológico, onde este é explicado através dos estímulos que envolvem os órgão dos sentidos ou do ponto de vista psicológico e cognitivo, onde se envolvem os processos mentais, a memória, entre outros aspectos que influenciam a interpretação dos dados captados.
Se unirmos estes dois pontos de vista, podemos considerar que percepção se define pela aquisição, selecção, interpretação e organização de informações da experiência do mundo, através dos sentidos. Colocando-a num processo de duas etapas, primeiro sensorial e depois intelectual.
O PRIMEIRO PRINCÍPIO
O desenvolvimento epistemológico da programação neurolinguística apoia-se em 5 princípios básicos que nos ajudam a melhor compreender os fenómenos da comunicação e os processos de mudança dos seres humanos.
Neste artigo iremos debruçar-nos sobre o primeiro princípio – Percepção é Projecção, que de alguma forma já ficou genericamente explicado ao conhecermos o modelo de comunicação da PNL, mas apesar disso, acredito que ainda haja algumas especificidades e reflexões dignas de nota.
Percepção é Projecção, é o princípio que reitera a ideia de que não acedemos directamente à realidade externa e que não andamos propriamente a perceber o mundo que acontece fora de nós, mas sim, projectamos o que temos dentro para tudo aquilo que nos cerca. Este fenómeno torna o mundo um reflexo dos nossos pensamentos, sentimentos, valores e crenças interiores. Por outras palavras, o mundo exterior é o reflexo do nosso mundo interior.
Lembrando que percepção é a capacidade de ver, ouvir, tocar, cheirar, provar e tornar algo cognoscível através dos órgãos dos sentidos, fazendo da percepção o principal factor que estrutura a nossa experiência do mundo, moldando quem somos.
A percepção que temos de qualquer acontecimento determina a forma como agimos sobre ele, é a percepção que construímos da realidade que delimita a forma como nos sentimos em relação às coisas do mundo e, consequentemente, as acções que empreendemos.
Este princípio pressupõe que só podemos perceber aquilo que já está na nossa consciência e foi importado para a PNL a partir das teorias de Carl G. Jung.
Nas suas próprias palavras e numa tradução livre, Jung escreveu: “Temos a tendência de pegar no nosso material inconsciente e projectá-lo nas pessoas e nos eventos ao nosso redor. Aquilo que é inconsciente deve, necessariamente, ser projectado nas pessoas e eventos ao nosso redor.”
Então deixe-me perguntar-lhe... Como consegue navegar neste mundo desconhecido, numa vida ainda por preencher, cruzando-se diariamente com pessoas que nunca viu? Fá-lo porque a sua percepção usa mecanismos que lhe garantem informações para que possa preencher esses vazios.
Como pôde perceber na explicação do modelo de comunicação da PNL, diante de qualquer acontecimento na realidade externa, que é veiculado através dos seus canais sensoriais e se torna pronto para uma classificação linguística, a sua mente faz três coisas para assegurar a continuidade da sua navegação: distorce, generaliza e omite, dando origem à sua interpretação da realidade. E o uso da expressão “interpretação” é muito importante, porque é exactamente isto que fazemos.
No momento em que atribuímos significado a algo, saímos da dimensão sensorial para a intelectual e entramos na dimensão subjectiva e relativa ao indivíduo que interpretou o acontecimento, o objecto, a experiência ou qualquer outro evento que ocorra externamente.
Daí a pressuposição subjacente ser que não percepcionamos objectivamente, mas projectamos o material interno que deu origem à nossa interpretação.
Para que não fique uma exposição excessivamente teórica, vou dar-lhe alguns exemplos que ajudam a ilustrar a explicação.
Há uma experiência amplamente descrita sobre professores e alunos de uma determinada escola. Confesso que não encontrei a publicação desta experiência, pelo que sugiro que a receba como uma metáfora ilustrativa.
Um professor foi informado pela direcção da escola que iria ter uma turma com sérias dificuldades de aprendizagem e que deveria fazer com ela o melhor que pudesse. No final do ano lectivo, todas as crianças, genericamente, tiveram uma aprovação baixa. No ano seguinte, a mesma turma de crianças transitou para um outro professor, cuja informação prévia, que lhe foi passada, é que teria uma turma de sobredotados e que deveria acompanhar as suas exigências de aprendizagem. No final do novo ano lectivo, todas as crianças, genericamente, tiveram um bom aproveitamento, com notas altas.
O que mudou? A informação prévia que foi dada a cada professor. Essa informação moldou a perspectiva que cada um dos professores teve sobre a turma e ao projectá-la sobre a turma, influenciou o desempenho das crianças.
Imagine que se desentendeu com um colega de trabalho e que a discussão o magoou. Provavelmente, a sua percepção sobre os comportamentos subsequentes do seu colega pode fazer com que os interprete como hostis, mesmo que outros colegas não percebam isso. O que está a influenciar a sua percepção? A experiência de desentendimento anterior, conjugada com a mágoa que está a sentir em si.
O sofrimento, por exemplo, não está nas coisas, mas no significado que damos às coisas. Três pessoas a vivenciarem uma sequência de acidentes graves de viação, podem interpretar a sua experiência de formas totalmente diferentes. Para uma, pode ser a prova de que Deus se esqueceu dela, para outra, a demonstração de que Deus está sempre a protegê-la, e para a terceira, poderá ser um aviso e uma lição valiosa de que precisa ter mais cuidado.
Um chefe que não lhe dá atenção, pode significar que não gosta de si ou que confia em si e no seu trabalho.
Vou dar-lhe um exemplo meu. O meu histórico de multas de estacionamento não me deixa mentir. São muitas e frequentes, e costumo dizer que sempre que ponho o carro num parquímetro tenho um senhor da Emel ou da Polícia Municipal atrás da moita à espera que expire o tempo pago para colocar o envelope no para-brisas do meu carro. Mas será mesmo isso? Serei eu assim tão importante? Claro que não! Preciso é definir quantas mais multas estarei eu disposta a pagar até que aprenda a ser mais atenta aos tempos de estacionamento.
Todas as experiências são neutras, vazias de significado. A questão é que não temos pensamentos neutros sobre elas. Qualquer situação em si é neutra e vazia. Mas o pensamento sobre a situação, ao atribuir-lhe um significado, determina a situação. A experiência é por isso uma projecção da nossa condição interior.
VIESES COGNITIVOS
Nos estudos sobre cognição está descrito um processo designado de heurística, no qual se explica que fazemos uso do nosso reportório cultural e social para observar o mundo e tomar decisões. Trata-se de uma função natural da mente, a partir da qual formamos crenças sobre o mundo. Significa isto que ao estarmos perante uma nova informação, ela passará pela nossa própria e particular maneira de ver o mundo, a heurística, o que poderá resultar num viés cognitivo.
Ao recebermos uma nova informação, esta acaba por ser levada pelos nossos sentimentos, preconceitos, pensamentos, experiências passadas e expectativas, criando um desvio racional, que cria uma espécie de “erro” de julgamento nos nossos processos mentais inconscientes. Esse erro de julgamento, sendo um processo inconsciente, tem o nome de viés cognitivo e temos vários. Para que possa ter uma melhor noção do que se trata, apresento-lhe alguns:
Viés de Confirmação – é a tendência de seleccionar as informações que confirmem aquilo em que acreditamos. Quando há algo que para nós é verdade sobre um determinado tema, tendemos a prestar mais atenção e a procurar informação que valide a crença;
Viés de Atribuição – é a tendência de atribuirmos uma causa às características e acções dos indivíduos. Por exemplo, hoje acordei triste porque está a chover;
Viés de Memória – é a tendência de nos lembrarmos com maior frequência e mais facilidade das informações que mais nos interessam. Ao estudar para um exame, tendemos a lembrar-nos mais das informações que julgamos serem mais importantes para a avaliação;
Viés de Auto-conceito – é a tendência de vermos os nossos motivos, os nossos comportamentos e as nossas escolhas de forma mais positiva do que os de outros. Por exemplo, cometo um erro no meu trabalho e minimizo o meu erro, responsabilizando outros;
Viés de Expectativa – é a tendência de ter expectativas irrealista sobre acontecimentos. Por exemplo, vejo o sucesso dos outros como sorte e ao definir um objectivo para mim, tendo a acreditar que o caminho para o sucesso é mais curto e fácil do que o é na realidade;
Viés de Julgamento – é a tendência de fazer julgamentos e formar opiniões com base em informações parciais ou incompletas. Por exemplo, numa discussão com alguém, assumimos opiniões sobre o assunto, com base em impressões superficiais.
“O que vemos depende principalmente do que procuramos.”
– John Lubbock –
Apresentei-lhe apenas alguns dos possíveis vieses... E não se trata de saber se ocorrem ou não em si, ou em mim, pois toca-nos a todos. O processo de perceber o mundo é feito de permanentes interpretações subjectivas, logo de projecções da nossa matéria inconsciente. Por essa razão, Jung apresentou a ideia de que não, necessariamente, vemos os mundo e as pessoas como elas são, mas como nós somos.
A questão é: para que fazemos isto? Quando projectamos, podemos tornar-nos conscientes da nossa matéria inconsciente e lidar com ela.
Esta noção de que tendemos a projectar matéria do nosso inconsciente para as nossas dinâmicas e relações, dá-nos a possibilidade de podermos torná-la consciente, aprender com ela e mudá-la.
Aqui chegados, poderá estar a questionar-se se, de facto, é sempre assim. Vamos ainda a mais algumas reflexões...
Ao depararem-se com estas noções, diferentes pessoas tendem a assumir duas posições distintas sobre o princípio da Percepção é Projecção. Algumas começam por rejeitá-lo em absoluto, dizendo “isso não é possível, está uma cadeira nesta sala, não está só na minha cabeça”, adoptando uma visão puramente física e material. Já outras vão para o extremo oposto, assumindo que “tudo está dentro da minha cabeça, logo tu não existes, não és real” e ao receberem um feedback que não lhes agrade de alguém, respondem: “pois... percepção é projecção”, actualizando uma expressão infantil do tipo: “quem diz é quem é”.
Pois bem! Não encaremos este princípio como absoluto, pois não é nem uma coisa, nem outra, pois o fenómeno da Percepção é Projecção ocorre ao longo de um espectro. Assim como a maior parte das coisas da vida ao não serem nem pretas, nem brancas, também este princípio não o é.
O ESPECTRO
Vamos então procurar compreender como é que a percepção e a projecção se desenvolvem num espectro. Olhe para o chão abaixo dos seus pés. Certamente que haverá um chão, seja o piso de um apartamento, a relva do jardim, uma estrada de alcatrão ou a areia da praia. Supondo que esteja numa sala, há chão sob os seus pés, ou seja, sabe que ele existe e qualquer pessoa que entre na sua sala, poderá constatar que existe um piso sólido na sua sala. Logo o chão não está apenas na sua cabeça, o que faz com que para mudá-lo precisará de uma picareta.
Significa isto que relativamente à experiência do chão, possui menos controlo do que com outras experiências. Mas apesar disso, ainda se mantém uma dimensão de controlo pois uma parte da experiência encontra-se inteiramente dentro da sua cabeça.
Observe então o chão abaixo dos seus pés. Gosta do tipo de pavimento? Gosta da cor, da textura, da temperatura? Gostaria que fosse de outra forma? Está sujo? Gostaria que fosse mais limpo? Este chão traz-lhe alguma recordação? Nem tinha reparado nele antes?
A resposta a estas perguntas, deixou a objectividade da existência do chão para passar à subjectividade da experiência do próprio chão, aquela que resulta da sua própria interpretação.
Quer isto dizer que temos a coisa e a relação com a coisa, e nem sempre são dissociáveis. Mas quando se trata da interpretação que damos, essa dimensão, que é apenas interna, é também controlável, logo passível de ser mudada.
Um furo no pneu a caminho do trabalho não lhe dá dor de cabeça. Nem o pneu, nem o furo têm esse poder. Apenas nós podemos causar-nos essa dor de cabeça. Um computador avariado, pode ser o fim do mundo durante 5 minutos ou durante uma semana. É uma escolha!
Se as situações em si são neutras e vazias de significado, não podemos encontrar significado nas coisas, mas no que fazemos com elas, logo somos nós que estamos no controlo.
Este princípio para a PNL, ao que tudo indica, foi trazido por Tad James e não é unânime na sua aceitação dentro da comunidade dos desenvolvedores desta disciplina. A perda da unanimidade dá-se exactamente por existirem interpretações literais e extremadas, ao ponto de encontrarmos pessoas a acreditar que não existe nada lá fora. Esta visão não encaixa com todas as varáveis que compõem a programação neurolinguística, sobretudo quando falamos em acuidade sensorial.
Ao assumirmos a posição de que tudo só existe dentro de mim, perdemos a possibilidade de vivenciar aquilo a que Fritz Perls se referiu quando disse: “Perca a cabeça e caia em si”.
Se a percepção for parte projecção e parte detecção, temos a oportunidade de sair da mente e entrar no momento presente, imergir na experiência do agora, livres de julgamentos, tal como nos ensinam as práticas da atenção plena.
Uma das 9 atitudes da atenção plena é a “mente de principiante”, que nos convida a olhar para tudo como se fosse a primeira vez, permitindo-nos estar no momento presente, num estado de não saber e consciência sem julgamento.
Assim sendo, vamos assumir que percepção é projecção e é também detecção. Desta forma aumentamos a possibilidade de não nos alhearmos e alienarmos do mundo, e podemos aprofundar-nos na ideia da projecção.
A PROJECÇÃO
“As projecções transformam o mundo na réplica do próprio rosto desconhecido.” – Jung ao introduzir a noção de projecção, procurou explicar a forma como nos relacionamos com outras pessoas, reconhecendo que grande parte das nossas relações são influenciadas pelas suposições que fazemos sobre as outras pessoas. Entenda suposições como a assunção de que sabemos o que a outra pessoa pensa e sente.
Nesta sua visão, Jung partilha que, muitas vezes, baseamos as nossas interacções em falsas suposições, cujas suposições dizem mais sobre o próprio que as fez do que sobre aquele que é alvo delas. Na ideia de que “quando João fala de Pedro, sabemos mais sobre João do que de Pedro”.
Esta “réplica do próprio rosto desconhecido” traduz-se, também, nesta ideia de que todos são como Buda aos olhos do Buda e todos são porcos, aos olhos de um porco.
Recordo que tudo isto parece acontecer connosco, pois não sendo o resultado de uma escolha deliberada, percepção e projecção estão a ocorrer fora do espaço da nossa consciência.
Inconscientemente formamos as nossas percepções com base nos nossos próprios conteúdos, mas uma vez cientes disto, podemos questionar, procurar evidências contrárias ou explicações alternativas.
“Ela não me telefona, significa que não gosta de mim...” – Será isto verdade? Todas as vezes que não telefona a alguém é porque não gosta dessa pessoa? Quão real é essa sua impressão? Como sabe isso? Há alguma base de fundamentação para esse julgamento?
Temos o poder de lidar com as nossas projecções questionando-as!
O que estou a perceber? O que estou a projectar?
Neste exemplo do telefone, que matéria do meu inconsciente está a ser projectada para este acontecimento? O que há em mim que posso tornar consciente? Talvez descubra que é uma insegurança minha e agora posso vê-la projectada nesta situação.
Se estou ciente dela, posso então mudá-la.
A melhor forma de lidarmos com as projecções que geram vieses cognitivos é desenvolvendo uma atitude crítica e questionadora em relação ao ponto de vista que estamos a adoptar. Será isto? Estarei eu a contaminar a situação? Estarei eu a projectar sentimentos e crenças particulares nesta dinâmica? Que pensamentos e sentimentos meus podem ser questionados?
Termino este artigo com uma frase de Lao Tzu: “Se queres iluminar toda a humanidade, ilumina-te a ti mesmo. Se queres fazer com que o sofrimento desapareça do mundo, deixa que toda a escuridão e negatividade desapareçam de dentro de ti. Verdadeiramente, o presente mais bonito que tens a oferecer é a tua própria auto-transformação.”
~ por Joana Sobreiro
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