A Teoria do Estado de Fluxo
Já lhe aconteceu estar a fazer algo, envolvido em alguma actividade, e não se aperceber do tempo que passou? Onde as horas passaram, levemente, sem se aperceber? Já sentiu o prazer de estar, profundamente, conectado com o que está a fazer?
É provável que já tenha experimentado estes momentos, pois tratam-se de experiências naturais que ocorrem quando fazemos algo de que gostamos muito e, por isso, saiba que este estado tem vindo a ser estudado dentro da psicologia e tem um nome – flow.
Flow ou Teoria do Fluxo, é um conceito largamente estudado e explorado por Mihaly Csikzentmihalyi, psicólogo de origem croata, que ao lado de Martin Seligman é considerado um dos pais da psicologia positiva.
Todo o seu trabalho foi, fortemente, apoiado na observação de diversos indivíduos, em diferentes actividade e em diversos contextos de vida. Mas, foi na sua pesquisa de doutoramento, sobre criatividade, que começou a identificar as características daquilo que mais tarde chamou de estado de flow.
Na sua observação e entrevistas, entre outros, a artistas, Csikszentmihalyi ficou impressionado como pintores ficavam absortos, imersos, envolvidos e concentrados durante o seu processo de criação, ao ponto de se desligarem das próprias necessidades fisiológicas, sem se aperceberem do tempo passar e sem sentir fadiga. Sendo que este estado de total imersão permanecia enquanto a pintura não estivesse concluída. Findo o quadro, o artista perde o interesse naquela obra, dirigindo a sua energia para a próxima tela.
Csikszentmihalyi identificou que a fonte da motivação do artista é o próprio acto de pintar e não um resultado previamente expectado de um quadro pronto. Mais especificamente, a intenção é criar um quadro, mas a recompensa vem da qualidade da experiência no processo de pintar e não no produto daí resultante.
Não encontrando informação que explicasse e ajudasse a compreender estes fenómenos nas duas grandes forças da psicologia, a behaviorista e a psicanálise, Csikszentmihalyi encontrou um ponto de apoio para o desenvolvimento da sua teoria na psicologia humanista de Abraham Maslow.
Maslow nos seus estudos, já apontava dois tipos de comportamento dentro do processo criativo, sendo um deles a orientação para o produto/resultado e o outro, a orientação para o processo. Foi nos princípios da autorrealização, onde o indivíduo aprende a lidar com as suas limitações e potencialidades por via da própria vivência, que Csikszentmihalyi pode construir a base da sua nova teoria.
O QUE É O ESTADO DE FLOW?
Trata-se então, de um estado mental que engloba um conjunto de emoções, que é atingido quando se está totalmente envolvido numa actividade específica prazerosa – outras designações também passíveis de serem adoptadas são, estar “na zona” ou “na corrente”. Entrar em ou no fluxo, é uma condição de foco absoluto, intenso envolvimento experiencial numa actividade momento a momento, apoiado no esforço e criatividade individuais, que torna qualquer actividade humana espontânea e produtiva, sendo um importante preditor do subjectivo bem-estar emocional.
Numa tradução livre da própria definição de Csikszentmihalyi: “A experiência de flow ocorre quando o indivíduo está completamente envolvido no que está a fazer, quando a concentração é tão alta que a pessoa sabe, a cada momento, quais devem ser os seus próximos passos. Como se, ao jogar ténis, soubesse onde quer que a bola vá; como se, ao tocar um instrumento, soubesse a cada milissegundo, exactamente que notas quer tocar. Onde o indivíduo recebe um retorno imediato do que está a fazer. (…) Há concentração, passos claros, retorno imediato, o sentimento de que o que faz está mais ou menos em equilíbrio com o que precisa ser feito, isto é, desafios e habilidades estão em equilíbrio.”
Segundo Csikszentmihalyi, o estado de fluxo exige 3 condições principais:
1. Objectivos claros: no fluxo, não é relevante o resultado final, mas sim, um conjunto de pequenos passos ou metas que vão sendo cumpridos momento a momento. A atenção em cada nova pincelada que é dada num quadro. A precisão do próximo movimento na dança. Ou a escolha de cada palavra na composição de um livro;
2. Feedback Imediato: o conjunto de informações mínimas necessárias para se saber se se está a aproximar do objectivo em cada acção. Cada pincelada, ao modificar a composição visual informa o artista da sua aproximação ou afastamento ao efeito desejado. Cada nota musical é indicadora da música e sugere a qualidade do que está a ser criado ou a alteração da escolha das próximas notas. Cada frase, permitirá ao escritor saber se está a expressar-se e a expressar o que quer e para onde deve direccionar a sua narrativa;
3. Equilíbrio entre habilidades, desafios e oportunidades de acção: a necessidade de encontrar o equilíbrio entre o nível de desafio e as próprias capacidades. Sem um alto desafio conjugado com uma alta capacidade, dificilmente o estado de fluxo será atingido. Observe este gráfico:
Ao observar a informação deste gráfico, não só encontra a compreensão da importância da relação de proporcionalidade entre o desafio e a habilidade, como o potencial para a acção na direcção do bem-estar proporcionado pelo fluxo.
O QUE ACONTECE NO CÉREBRO DURANTE
O ESTADO DE FLOW?
Até aos dias de hoje, ainda não temos disponíveis resultados de muitas investigações neuropsicológicas relativas ao fluxo. Apesar disso, alguns pesquisares têm-se debruçado sobre este processo e procurado compreender este fenómeno no cérebro. Segundo Arne Dietrich, o estado de fluxo tem sido associado à diminuição da atividade no córtex pré-frontal. Esta área do cérebro, é responsável pelas funções cognitivas denominadas superiores, como consciência auto-reflexiva, integração temporal e memória de trabalho. Trata-se da área cerebral responsável pelo nosso estado de espírito consciente e explícito.
No estado de fluxo, esta área entra, temporariamente, num processo chamado hipofrontalidade transitória, ocorrendo uma inactivação temporária da área pré-frontal do córtex cerebral, podendo desencadear percepção distorcida do tempo, perda da autoconsciência e perda de crítica interna.
QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS
DO ESTADO DE FLOW?
Com a atenção focada no aqui e agora, o indivíduo que está no fluxo deixa de lado ruminações mentais sobre o passado ou sobre o futuro, questões relacionadas com os seus papeis sociais, ou qualquer questão que o retire da sua presença. É comum descrever-se esta corrente como uma sensação de unicidade com a própria criação, onde músico e instrumento se tornam um só para criar a música, assim como a dança e a dançarina se fundem para criar o bailado. O tempo passa a não ter tempo, podendo estender-se ou apequenar-se, onde segundos se tornam horas e horas, segundos. Numa experiência autotélica, em que a actividade se torna um fim em si mesma, sem estar dependente de factores e resultados posteriores, sendo gratificante, satisfatória, prazerosa e, intrinsecamente, recompensadora por si só.
Csikszentmihalyi descreve 8 características do fluxo:
1. Concentração completa na tarefa;
2. Clareza de objectivos e feedback imediato;
3. Distorção da experiência temporal;
4. Experiência intrinsecamente gratificante;
5. Sem esforço e facilidade;
6. Equilíbrio entre desafio e habilidades;
7. Fusão entre acção e consciência;
8. Sensação de controlo sobre a tarefa.
Curiosamente, a capacidade de experimentar o fluxo pode variar de pessoa para pessoa. Pessoas com personalidades autotélicas tendem a vivenciar com maior facilidade o fluxo. Falamos de pessoas que, tendencialmente, fazem as coisas por si mesmas, em vez de perseguir algum objectivo externo e distante. Este tipo de personalidade distingue-se num conjunto de meta-habilidades, como um elevado interesse pela vida, persistência e consistência nas suas acções, além de um baixo egocentrismo.
Importa referir, que o estado de fluxo não é exclusivo de artistas e pessoas que trabalham directamente com a criatividade. Estamos a falar de um estado mental passível de ser experimentado por todos nós, em qualquer momento ou circunstância nos nossos afazeres diários.
Num artigo publicado em 1975, Csikszentmihalyi defendeu que a aplicação das características do modelo do fluxo deveria estar presente nas escolas e nos locais de trabalho. Referindo a importância de introduzir o estado de fluxo em actividades produtivas como o trabalho e o estudo, em actividades de manutenção, como o exercício físico, arrumar a casa e descansar, e em actividades de lazer, como hobbies e convívio com outras pessoas.
Trazer o fluxo para as diferentes actividades da vida contribui para o aumento de emoções positivas, crescimento do eu, fortalecimento da auto-estima e melhoria no desempenho da tarefa executada.
COMO ALCANÇAR O ESTADO DE FLOW?
Em primeiro lugar, é necessário afastar qualquer actividade que roube a sua atenção, comum à vida acelerada e alucinante de grande parte de nós. Um exemplo disso – desligue o telemóvel! Com distracções, não há fluxo.
Mas, ainda mais importante é reconhecer que em qualquer actividade é necessário encontrar o equilíbrio entre os desafios percebidos e as habilidades disponíveis. Perante um desafio maior do que a habilidade, poderemos ficar preocupados, ansiosos ou stressados. Assim como, quando a habilidade é maior do que o desfio, poderemos distrair-nos, desinteressar-nos ou cair no tédio.
Assim, o fluxo é encontrado no caminho do meio, no equilíbrio entre a habilidade e o desafio. E claro! Escolha actividades que lhe dão prazer.
Então tenha presente a importância de procurar actividades que promovam o seu crescimento, trazendo-lhe novos desafios, pois desenvolver novas habilidades também pressupõe que enfrente novos desafios. Concentre-se nas suas tarefas e aprimore-as para que sinta que tem o controlo sobre o que está a fazer. Aprenda a desenvolver um estado de presença e atenção plena, usando os seus sentidos e o próprio corpo como veículo do seu estado de consciência.
Tenha um senso de direcção. Saber para onde vai, para onde se dirige, permitir-lhe-á focar a sua atenção e desfrutar de cada tarefa, estar presente e consciente de cada passo.
Saiba que o seu estado de satisfação e sensação de preenchimento não se encontra em recompensas externas ou em opiniões alheias. O prazer na vida pode ser encontrado concentrando a sua atenção e dirigindo a sua energia para a actividade em que está a cada momento. E por último, um novo desafio é uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento de novas habilidades.
~ por Joana Sobreiro
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