APONTAR ERROS
- Joana Sobreiro
- há 7 dias
- 8 min de leitura
Já esteve numa situação em que, ao partilhar uma ideia ou ao dar uma resposta, a pessoa do seu lado fez questão de lhe mostrar que estava errado, mesmo que o detalhe fosse irrelevante? Ou que corrigiu o que disse apenas para mostrar que sabia mais?
Talvez já tenha sido alvo ou tenha presenciado alguém a interromper uma explicação para destacar uma pequena falha, ou fazer um comentário “inocente” que, na verdade, insinuava que as suas escolhas ou capacidades eram insuficientes, numa espécie de grito surdo que afirma superioridade.
Já lidou com alguém que reiteradamente faz comentários que insinuam que o seu desempenho, escolhas ou capacidades são inferiores?
Já percebeu que uma “brincadeira” ou “comentário inocente” foi, na verdade, uma tentativa de rebaixamento do outro?
A necessidade de apontar erros nos outros é, em si, uma curiosa característica e predisposição comportamental que, acredito eu, ser interessante explorar-se, sobretudo no que pode estar a gerar esta forma de relacionamento.
Na convivência diária, é comum encontrarmos pessoas que, nas suas interacções, demonstram uma tendência recorrente de apontar os erros dos outros ou a lançar comentários que, de forma mais ou menos dissimulada, visam rebaixar o seu interlocutor.
Embora à primeira vista isto possa parecer apenas um acto de franqueza ou perfeccionismo, envolvido em rigor e procura por melhor performance, a psicologia sugere que, frequentemente, há motivações mais profundas e complexas subjacentes a este padrão.
Sem nos alongarmos excessivamente nas diferentes teorias, conseguimos delinear uma perspectiva rica e diversificada, visitando alguns dos autores que tiveram uma palavra dizer sobre este tema.
Segundo a teoria da auto-estima desenvolvida pelo sociólogo, Morris Rosenberg, cada indivíduo possui um sistema de monitorização interno, que procura preservar a sua auto-imagem. Um mecanismo que visa afirmar-se, para dar resposta a uma necessidade de manutenção do ego.
Pessoas com uma auto-estima frágil tendem a adoptar mecanismos compensatórios, entre eles, a depreciação do outro.
Ao destacar erros alheios, o indivíduo cria uma comparação implícita que o coloca, temporariamente, numa posição superior. Este mecanismo funciona como uma auto-afirmação defensiva, em que a falha do outro serve de evidência indirecta de competência própria.
Já a teoria da comparação social, proposta pelo psicólogo social, Leon Festinger, defende que os seres humanos avaliam o seu próprio valor e capacidade comparando-se com outros, na intenção de reduzir a própria incerteza e aprender a definir o eu.
Quando alguém aponta um erro de forma insistente ou sarcástica, está a praticar uma “comparação social descendente”, colocando o outro num patamar mais baixo, para poder sentir-se melhor ou mais seguro no grupo. A comparação social estabelece uma hierarquia implícita. Este comportamento tende a intensificar-se em contextos competitivos, como ambientes de trabalho ou familiares com dinâmicas hierárquicas rígidas, onde a superioridade percebida é vista como um recurso para obter respeito, poder e influência.
Na perspectiva psicanalítica de Sigmund Freud ou de Melanie Klein, este comportamento pode ser interpretado como projecção, onde o indivíduo atribui ao outro aquilo que teme ou rejeita em si mesmo. Por exemplo, uma pessoa que se sente incompetente, pode salientar constantemente falhas alheias, para afastar de si a atenção sobre as próprias limitações.
O rebaixamento também pode funcionar como deslocamento, isto é, operar como um mecanismo de defesa inconsciente onde sentimentos, desejos ou ideias são transferidos de um “objecto” original para outro, considerado menos ameaçador ou mais aceitável. Este processo ajuda a reduzir a ansiedade e a proteger o ego de conflitos internos. Desta forma, a frustração sentida noutras áreas da vida é descarregada nas interacções sociais aparentemente banais.
No campo da psicologia da personalidade, Heinz Kohut explicou como uma auto-estima frágil e necessidades narcísicas não satisfeitas podem gerar a depreciação do outro como mecanismo de auto-protecção.
O verdadeiro poder requer modéstia e empatia, não força e coerção, argumenta o psicólogo social, Dacher Keltner. Nos seus estudos sobre dinâmicas de poder, especialmente “o paradoxo do poder”, o comportamento de rebaixar dissimuladamente outra pessoa pode ser entendido como uma forma de micro-agressão ou manipulação relacional.
A crítica constante e subtil funciona como uma estratégia para manter o outro numa posição defensiva, reduzindo a probabilidade de contestação. Esta dinâmica relacional cria um “campo psicológico” no qual o indivíduo crítico se sente mais seguro e em maior controlo.
Resumidamente, a auto-percepção mais ou menos consciente de pequenez, gera um mecanismo de adaptação que exige que a pessoa se engrandeça ao projectar-se para o exterior e um caminho possível para fazê-lo, é reduzindo os outros.
Simplificando, o eu-pequeno em lugar de crescer, procura tornar quem está à sua volta igualmente pequeno. É a lógica do Portugal dos Pequenitos, mas sem graça, sem diversão, sem encanto.
Apesar das abordagens destes seis autores serem incontornáveis, se o que se pretende é procurar entender e enquadrar o que pode originar a necessidade de apontar erros nos outros, então precisamos reconhecer ser também verdade que nem sempre este comportamento tem origem numa fragilidade emocional ou na dissonância cognitiva (link). Não raras vezes, trata-se de um padrão aprendido, que permanece em repetição até que se torne consciente para o indivíduo que o pratica.
Crianças criadas em ambientes onde o erro é punido com sarcasmo ou humilhação, tendem a reproduzir esse mesmo estilo comunicativo na vida adulta. Além disso, certas culturas ou subculturas reforçam uma comunicação competitiva, onde vencer o argumento ou expor a falha do outro é sinal de inteligência ou liderança.
Posto isto, não é minha intenção utilizar este artigo para fazer um julgamento “em praça pública” de qualquer indivíduo que demonstre este tipo de comportamento ou predisposição. Até porque este indivíduo pode ser ou estar, em determinada medida, em cada um de nós.
Aproveito para relembrar um dos mais relevantes pressupostos da PNL que nos apresenta uma visão transformadora sobre as intenções por detrás de um comportamento – todo o comportamento, mesmo que nocivo, tem na sua origem uma intenção positiva.
Se estiver a ler este pressuposto pela primeira vez, sugiro que leia o artigo Intenção Positiva publicado aqui no blog (link).
Diante de alguém que apresenta este comportamento, mais do que julgar a pessoa, importa manter a abertura ao questionamento: qual será a intenção positiva por trás do comportamento desta pessoa? Acrescido da consciência das possíveis consequências da manutenção deste comportamento.
Coloco isto nestes termos, pois estou a assumir que nenhum comportamento é per se benéfico ou prejudicial, isto é, uma apreciação qualitativa de um comportamento depende dos resultados por este produzidos e a sua ponderação relativa, quando comparados, aos resultados desejados. Para que fique claro, se for meu desejo lidar com um conjunto de pessoas submissas, que não questionam, não arriscam e vivem frustradas, adoptar um constante feedback que aponta erros e falhas, será provavelmente a forma mais benéfica de produzir este resultado. Se por outro lado, se desejo lidar com pessoas comprometidas, responsáveis, autónomas, criativas, que arriscam e procuram melhorar continuamente, adoptar este mesmo comportamento, não produzirá este resultado, logo poderá ser visto como prejudicial.
Por essa razão, é sempre necessário termos em consideração os possíveis resultados que um determinado comportamento produz, sobretudo quando comparado com outras formas de proceder e os seus consequentes efeitos relacionais.
Importa por isso, estarmos cientes que os nossos comportamentos têm impacto directo nas nossas relações, mais do que isso, na qualidade do que se cria através dessas relações.
A prática constante de apontar erros e rebaixar, mesmo que disfarçada, provoca desgaste emocional nas relações, fomenta ressentimento e quebra a confiança interpessoal. Para a “vítima”, isto pode gerar auto-censura, insegurança, levando-a a evitar a exposição de ideias. Para o emissor, embora possa haver ganhos momentâneos de poder, a médio prazo tenderá a isolá-lo ou a criar resistência passiva nos outros.
A depreciação, mesmo que velada, provoca erosão nos laços de confiança. Um pai ou uma mãe que apontam constantemente os erros, contribuem para que os filhos entrem em modo defensivo, escondam erros e evitem tomar a iniciativa de se exporem.
Um líder que procura constantemente “corrigir”, reforça um clima de ameaça, que segundo a teoria da segurança psicológica de Amy Edmondson, bloqueia a aprendizagem e a inovação, onde a autonomia e a responsabilidade são substituídas por obediência passiva.
Se me permite opinar, constantemente apontar erros nos outros coloca-nos diante de um “jogo” onde todos estaremos condenados a perder. Não há grandeza em ser-se e fazer-se dos outros pequenos. Não se prospera quando não se confia. Se me defendo, é porque me sinto inseguro. Onde não há segurança, vence a sobrevivência e desaloja-se a criatividade.
Então o que fazer? Bom... (ainda sou eu a opinar) diria que a maturidade emocional não dá espaço a esta aritmética do menos. A subtracção do outro, leva-o ao desaparecimento e mantém-nos numa dinâmica infantilizada de pequenos bullies sem um adulto na sala.
A maturidade emocional implica a capacidade de gerir as próprias inseguranças e reconhecer valor nos outros, sem sentir ameaça.
Indivíduos emocionalmente maduros, validam o progresso antes de corrigir as falhas e reconhecem que o reforço positivo estimula a motivação intrínseca.
Maturidade emocional observa-se em pessoas emocionalmente inteligentes, correspondendo a indivíduos que sabem estabelecer relações baseadas na empatia. Que avaliam o impacto emocional da sua comunicação e se ajustam para promover colaboração em vez de submissão. Focam-se no crescimento de todos e entendem que é mais valioso contribuir para que os outros se sintam capazes, do que perpetuar a sua dependência.
Para onde estou a levar esta reflexão?
Para a defesa de que o reforço positivo potencia o crescimento humano.
O reforço positivo é uma das ferramentas mais poderosas para promover motivação, aprendizagem e desenvolvimento interpessoal. Na sua essência, consiste em reconhecer e valorizar comportamentos desejados, aumentando a probabilidade de que se repitam.
Embora o conceito tenha raízes na psicologia comportamental, a sua aplicação vai muito além de recompensas tangíveis, tratando-se de um elemento central na construção de relações saudáveis.
Este conceito ganhou relevância com o principal autor do behaviorismo, B. F. Skinner, criador do condicionamento operante. Skinner demonstrou como a aplicação de estímulos positivos após um comportamento, aumenta a frequência desse comportamento.
Posteriormente, Albert Bandura (link), com a teoria da aprendizagem social, reforçou que a observação de comportamentos valorizados também incentiva a sua replicação, especialmente quando acompanhada de reconhecimento explícito.
Segundo Daniel Goleman, a capacidade de reconhecer e reforçar o valor nos outros é um indicador de inteligência emocional. O indivíduo que pratica reforço positivo, demonstra segurança e maturidade emocional, pois valida o outro sem sentir que isso diminui a sua própria posição.
Quando as pessoas recebem reforço positivo genuíno, não apenas melhoram o seu desempenho, como também fortalecem a sua auto-estima. Isto cria um ciclo virtuoso, onde o reconhecimento alimenta a confiança, a confiança impulsiona a acção e a ação bem-sucedida reforça o crescimento.
O crescimento promove uma maior segurança psicológica, onde errar se torna aprendizagem e melhoria contínua.
Um ambiente psicologicamente seguro, suporta a crítica como ferramenta cirúrgica e o reconhecimento como base da relação. Assim, corrige-se quando necessário, mas constrói-se permanentemente.
Assim como uma jovem planta se, todos os dias, alguém se aproxima dela apenas para cortar folhas, podar galhos e remover tudo o que cresceu fora do lugar, a jovem planta acabará por retrair-se, moldando-se ao corte. As raízes não se aprofundarão, os ramos não irão estende-se e as flores não se atreverão a abrir. O ambiente ensinou esta jovem planta que crescer é errado.
Mas se esta planta receber água, luz e espaço para se expandir, ela crescerá sem pedir licença. As suas raízes agarrar-se-ão à terra com confiança, os seus ramos procurarão o céu e as flores irão abrir-se ao mundo sem receio.
Saibamos plantar o nosso jardim...
~ por Joana Sobreiro
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