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RESPIRAR DEVAGAR

Chegados ao mundo depois de meses de flutuação intrauterina os nossos pulmões enchem-se de ar e respiramos pela primeira vez. É a primeira inspiração que marca o início da nossa vida e a partir desse momento, os nossos pulmões continuarão a trabalhar até ao dia do nosso último suspiro.

Já em adultos temos um rácio de respiração variável, mas em média respiramos 16 vezes por minuto, isto significa 16 inalações e 16 exalações a cada 60 segundos totalizando, aproximadamente, 23 mil respirações por dia. Aos 50 anos, respirámos certa de 420 milhões de vezes. A respiração está sempre connosco, a cada acontecimento, a marcar cada momento vivido.

Assim, talvez pudéssemos assumir que com tanta prática, cada um de nós, chegados a adultos seríamos especialista da respiração. Mas será que somos? Será que o facto de respirarmos tantas vezes e graças a isso nos termos mantido vivos, nos faz especialistas?

Permita-me responder: não, não faz!

Quando temos dados que nos demonstram que a média do rácio respiratório num adulto é 16 vezes por minuto, isto significa que estamos a saber respirar, mas não sabemos fazê-lo da melhor forma. Basicamente, estamos a respirar demais. Este rácio, permite-nos saber que, provavelmente, se trata de uma respiração rápida, descontrolada e superficial, que pode estar a contribuir para diversos problemas como falta de foco, dispersão, ansiedade, tensão alta, entre muitos outros.

O rácio de respiração refere-se ao número de vezes que completamos um ciclo respiratório por minuto, sendo que uma inspiração + uma expiração completam 1 ciclo.

Um rácio muito elevado significa que fazemos entre 20 e 25 ciclos por minuto, e um rácio elevado compreende entre 16 e 20 ciclos por minuto. Já rácios considerados normais, onde entra a média, descrevem entre 12 e 16 ciclos por minuto, e um bom rácio, e o recomendável, pressupõe entre 10 e 12 ciclos respiratórios por minuto.

Importa referir que estas contagens estão definidas para tempos de descanso, onde não está a haver um esforço físico anormal e a respiração se faz de forma automática e involuntária, significa isto, inconsciente.

Importa fazer este enquadramento para lhe explicar a importância de fazer uma reeducação respiratória, reaprendendo a respirar de forma mais benéfica para a sua saúde física, mental e emocional, usando para isso, práticas de respiração consciente.


Actualmente, vivemos um boom do mindfulness (atenção plena) o que poderá levá-lo(a) a questionar se não se trata da mesma coisa, visto muitas das práticas da atenção plena incentivarem a observação da respiração. Então permita-me explorar mais alguns pontos neste enquadramento.

As práticas de respiração consciente, à semelhança das práticas da atenção plena, foram inspiradas nos antigos ensinamentos das culturas orientais. Nelas encontramos referências à observação da respiração, sem intervir nem mudar nada – o que é muito útil e cumpre propósitos muito específicos. Mas, ao falarmos de respiração consciente, encontramos muitas referências, sobretudo, nas escrituras védicas e hindus, que nos convidam a conhecer a importância do controlo da respiração, entre elas os pránáyámas, exercícios respiratórios do yôga.

Enquanto a atenção plena, por norma, envolve apenas a observação passiva da respiração, as práticas de respiração consciente exigem que se mude activa e intencionalmente a forma como respiramos. Isto inclui, respirar de forma mais lenta, mais profunda e mais completa, diminuindo conscientemente o ritmo da nossa respiração em repouso.

Pesquisas recentes, e chamo-lhes pesquisas e não descobertas, porque a descoberta já ocorreu há uns milhares de anos, pesquisadores apontam que uma determinada frequência respiratória de 6 ciclos de respiração por minuto, pode ser uma prática muito restauradora, com inúmeros benefícios para a saúde, além de permitirem estabilizar o rácio respiratório inconsciente nos valores considerados bons.

Fazer uma prática de respiração lenta, profunda e abdominal desencadeia um conjunto de respostas fisiológicas que facilitam o estado de relaxamento e atenção, com maior efectividade do que as práticas passivas da atenção plena.

Esta é uma das razões que me levaram a ter uma componente de práticas de respiração consciente significativa nos meus cursos de mindfulness. Com as práticas de respiração consciente, mais rapidamente, conquistamos o lugar interno de quietude e sem pensamentos.


Como vivemos hoje a era da evidência científica, pois também aqui a temos! – apesar de na essência não acrescentar nada à sabedoria antiga, conforta os humanos de hoje que procuram a validação da ciência. Qualquer dia farei uma reflexão sobre esta elevação da ciência ao nível das deidades, mas por agora, não vem ao caso.

A evidência científica tem vindo a demonstrar que pessoas, por exemplo, com hipertensão apresentam, num curto espaço de tempo, um redução da pressão arterial apenas usando exercícios simples de respiração lenta e diafragmática. Assim como, se tem vindo a demonstrar que a respiração lenta e profunda ajuda no alívio dos sintomas de depressão e ansiedade, além de reduzir a insónia e melhorar a qualidade do sono. Num estudo do Reino Unido, conduzido por Hassan Jafari no London King’s College, reportou-se que a respiração lenta e profunda pode contribuir para a melhoria do controlo da dor, assim como pode ajudar a lidar com doença crónica como a artrite.

Diversas hipóteses estão a ser levantadas que procuram explicar porque as práticas de respiração consciente são responsáveis por tantas e tão benéficas mudanças. Uma das teorias mais promissoras é a que tem vindo a estudar o sistema nervoso, especialmente as estruturas nervosas da região do tórax. Nesta região, existe um conjunto de sensores de elasticidade que medem a expansão e a contracção dos pulmões e toda a musculatura envolvente. Ao respirarmos, movimentamos o diafragma e, ao tornarmos a respiração mais lenta e controlada, conseguimos uma maior resposta de relaxamento diafragmático. Quando inspiramos o diafragma contrai e ao expirarmos o diafragma relaxa, exercendo pressão e alívio dos vasos sanguíneos do coração e toda essa região de receptores nervosos que alimentam o tronco encefálico.

Respirações rápidas e superficiais por si só não estimulam estes receptores nervosos e, consequentemente, não influenciam as ondas cerebrais, impossibilitando o estado de alerta relaxado. São as inspirações e expirações lentas e profundas que permitem gerar o ritmo adequado a esta actividade cerebral.

Quando falamos das artérias ao redor do coração, precisamos fazer referência ao nervo vago. Este nervo que vaguei pelo tronco e liga diversos órgãos vitais é um elemento fundamental na activação do nosso sistema parassimpático, inibindo as nossas respostas de luta e fuga que tendem a perdurar mesmo quando a ameaça já terminou. É o nervo vago e a sua actividade parassimpática que permite que o corpo se restaure e se nutra, levando o sistema nervoso ao descanso, diminuindo a frequência cardíaca e a pressão arterial.

Então voltando à questão dos rácios respiratórios e à reeducação respiratória pela prática da respiração consciente, criar coerência de 5 ou 6 tempos a inspirar e 5 ou 6 tempos a expirar, completando 5 ou 6 ciclos por minuto, parece ser um ritmo adequado para restabelecer o equilíbrio do sistema nervoso, criando um ciclo positivo de retroalimentação entre os pulmões, o coração e o cérebro. Ou seja, respirar em 6 ciclos por minuto permite desbloquear as tensões e ampliar a estabilização do ritmo fisiológico básico. Este ritmo cria as condições adequadas para um estado de concentração focada e simultaneamente relaxada.


Aqui chegados, permita-me convidá-lo(a) a inspirar contando até 6 e expirar contando até 6. Repita por 5, 10 ou 15 minutos. Áh! E se não leu o meu artigo anterior, leia e respire pelo nariz :)





~ por Joana Sobreiro





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